Armando Vara remete-se ao silêncio no primeiro dia de julgamento
Antigo ministro socialista utilizou uma saída precária da cadeia para estar presente em tribunal. Responde por um crime de branqueamento de capitais.
Suspeito de lavagem de dinheiro por causa de uma fuga ao fisco de 535 mil euros, que já assumiu ter cometido, o antigo ministro socialista Armando Vara remeteu-se ao silêncio no seu primeiro dia de julgamento, nesta quarta-feira, no Campus da Justiça, em Lisboa.
Armando Vara, que se encontra a cumprir cinco anos de cadeia na sequência de uma condenação por tráfico de influência no processo Face Oculta, utilizou uma saída precária para comparecer em tribunal, embora por enquanto não tenha falado sobre o crime que lhe é imputado – um direito que assiste aos arguidos. Apesar de se ter remetido ao silêncio neste momento, poderá pedir para prestar declarações em qualquer altura.
Ao juiz de instrução da Operação Marquês, Ivo Rosa, confessou, na fase instrutória do processo, que a teia de empresas que mandou montar, com recurso a offshores, quando era administrador da Caixa Geral de Depósitos, tinha de facto como objectivo fugir ao fisco. Mas garante que os 535 mil euros que fez circular entre a Suíça, as Seychelles, Chipre e a Irlanda entre 2008 e 2009, com a ajuda do gestor de fortunas Michel Canals – uma das principais figuras do processo Monte Branco –, tinham origem lícita.
Diz Armando Vara que enquanto não ascendeu à administração da CGD acumulava um cargo de director neste banco com a prestação de serviços de consultoria de negócios a empresas do Leste europeu, África e Médio Oriente. Nas suas palavras, identificava oportunidades de investimento. E quando foi nomeado para administrador do banco, em 2006, esteve “quase para desistir” de aceitar, uma vez que o regime de exclusividade a que ficava sujeito o impedia de continuar a exercer esta actividade. Logo numa altura em que começava a receber os proventos destas consultorias, parte dos quais só lhe era paga quando os negócios em perspectiva se concretizavam efectivamente.
“Ao longo de 2008 e 2009, Armando Vara procurou movimentar para contas em diferentes países parte dos fundos detidos nas contas da Suíça, visando gerar uma dispersão de fundos e utilizando diversos esquemas de circulação dos mesmos, de forma que fosse muito difícil às autoridades judiciárias identificar as contas usadas para o depósito do dinheiro e conexionar [sic] tais contas à sua pessoa”, pode ler-se no despacho de pronúncia da Operação Marquês.
Já Armando Vara disse ao juiz Ivo Rosa ter tido na altura “consciência de que havia um problema fiscal que tinha de resolver”.
“A minha ideia era fazê-lo no final do mandato de administrador da CGD”, cargo em que ganhava cerca de 17 mil euros mensais, alegou.
Ouvido como testemunha a partir da Suiça esta quarta-feira à tarde em tribunal por videoconferência, Michel Canals confirmou que se encontrou pessoalmente algumas vezes com Armando Vara para receber dinheiro deste em numerário, somas essas que depois entregava por seu turno a Francisco Canas - outra personagem central do processo Monte Branco, mais conhecido por Zé das Medalhas e entretanto falecido -, para serem depositadas numa conta que Armando Vara e a filha, Bárbara Vara, tinham no grupo helvético União de Bancos Suiços em nome da empresa offshore Vama Holdings, sediada no Panamá.
O dinheiro regressou em parte a Portugal através de outra offshore intitulada Citywide que tinha a geri-la um antigo presidente do conselho de administração da RTP, o advogado João Carlos Silva. Que garantiu esta quarta-feira em tribunal não fazer ideia de que um apartamento na Avenida do Brasil, em Lisboa, que lhe ordenaram que comprasse em nome da Citywide, tivesse afinal como vendedora Bárbara Vara. Esta testemunha garantiu que só se apercebeu de que havia algo que não batia certo sete ou oito anos mais tarde, em 2015, quando se tornaram públicos alguns detalhes relacionados com a Operação Marquês e resolveu informar-se da identidade dos beneficiários finais da sociedade.