As férias das crianças no estrangeiro e a (des)necessidade de consentimento de ambos os progenitores
A decisão de passar férias com a criança num país estrangeiro não carece do acordo de ambos os pais, podendo ser decidida por qualquer dos progenitores. Esta é, na verdade, a posição maioritária dos nossos tribunais.
Aproximam-se as férias de Verão e, com elas, um incremento das guerras parentais. Como sabemos, ao divórcio ou separação segue-se muitas vezes um conflito parental sem tréguas que, nalguns casos, se arrasta pelo tribunal durante anos. E uma das questões – ou pretextos! – para essa guerra parental é a das férias no estrangeiro.
Existe uma perceção generalizada de que, em caso de divórcio ou separação, as deslocações das crianças para o estrangeiro em férias com um dos progenitores carecem do consentimento do outro. Não é verdade. Ou, pelo menos, não é verdade na esmagadora maioria dos casos.
O exercício das responsabilidades parentais sobre os filhos é, como regra, conjunto. E só não será assim se o tribunal, por decisão fundamentada, inibir algum dos pais desse exercício. Significa isto que pertence a ambos a decisão das questões, chamadas de particular importância, mais raras, graves e estruturantes para a vida das crianças. Entre estas contam-se a escolha do ensino público versus ensino privado, a escolha do nome da criança, a educação religiosa até aos 16 anos, o local de residência da criança, etc. Os pais deverão chegar a um consenso e, falhando este, será o tribunal a decidir.
Já as questões da vida corrente da criança, como sejam saber se vai ver televisão ou ler um livro, ou a que horas janta, são decididas pelo progenitor com quem a criança se encontra em cada momento. Note-se, todavia, que relativamente a estas questões da vida corrente, o progenitor que não vive habitualmente com a criança está obrigado a seguir as orientações educativas mais relevantes traçadas pelo progenitor residente (ou guardião).
Ora, uma deslocação ao estrangeiro para gozo de férias não pode já, nos dias de hoje, ser considerada uma questão de particular importância. Na verdade, não se trata de um evento raro, grave ou estruturante para a vida de uma criança. Pelo contrário, é um evento banal na vida de muitas famílias e, aliás, comummente entendido como benéfico para a formação da criança. É claro que nos referimos a férias em destinos turísticos comuns e que não suscitem preocupações de segurança excecionais.
Assim sendo, a decisão de passar férias com a criança num país estrangeiro não carece do acordo de ambos os pais, podendo ser decidida por qualquer dos progenitores. Esta é, na verdade, a posição maioritária dos nossos tribunais.
O mesmo é dizer que são desnecessários os pedidos com que nesta altura do ano os pais inundam os escritórios de advogados e cartórios notariais para redação e reconhecimento de assinaturas em autorizações de viagem… Desde que o progenitor não esteja judicialmente inibido do exercício das responsabilidades parentais, poderá viajar com a criança.
É isto mesmo que decorre também do Decreto-Lei n.º 83/2000, de 11 de maio, cujo art. 23º, n.º 1, que prevê “Os menores, quando não forem acompanhados por quem exerça o poder paternal, só podem sair do território nacional exibindo autorização para o efeito”. Ora, sabendo-se que ambos os progenitores exercem o poder paternal – ou as responsabilidades parentais – qualquer deles poderá sair do território nacional com a criança. Isto, claro está, se nenhum deles estiver inibido desse exercício pelo tribunal. Esta informação figura, aliás, no site do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
As férias no estrangeiro, não carecendo de ser autorizadas, devem, naturalmente, ser comunicadas ao outro progenitor, tal como sucede, aliás, com qualquer questão relevante que diga respeito aos filhos. Fazê-lo constitui uma obrigação moral, inerente a um exercício responsável e saudável da parentalidade, mas também um dever legal (cf. art. 1906.º, n.º 7, do Código Civil).
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico