André Ventura voltaria a chamar “bandidos” a habitantes do Bairro da Jamaica
Líder do Chega escuda-se no calor da refrega eleitoral e diz que não pretendia ofender ninguém, mas não pede desculpa a queixosos. Julgamento começou nesta segunda-feira.
O líder do Chega, André Ventura, que responde em tribunal por ter chamado “bandidos” a habitantes do Bairro da Jamaica, no Seixal, admitiu nesta segunda-feira em tribunal que voltaria a fazer o mesmo.
O dirigente partidário é réu num processo cível por ofensas à honra e ao direito à imagem depois de ter exibido em 2021, num debate televisivo com Marcelo Rebelo de Sousa durante as presidenciais, uma foto de uma visita do Presidente da República àquele bairro cerca de dois anos antes.
O chefe de Estado aparecia na imagem com uma família que incluía um membro que já tinha tido problemas com a justiça, relacionados com desacatos, condução sob embriaguez e, segundo André Ventura, também por tráfico de droga. O dirigente partidário aproveitou esse facto para sublinhar que o seu adversário tinha preferido ir ao bairro confraternizar com “bandidos” em vez de visitar os agentes policiais agredidos dias antes, durante confrontos com habitantes dali. E acusou estas pessoas de terem vindo para Portugal “viver do Estado social”.
A família Coxi, que aparece na foto, pede uma retractação pública de André Ventura. Além das desculpas, caso seja condenado, quer que pague a publicação da sentença na comunicação social e que seja multado em 5000 euros por cada vez que, no futuro, fizer este tipo de declarações. Na foto aparece também uma criança que pertence ao mesmo agregado familiar.
Interrogado por uma juíza do Palácio da Justiça, em Lisboa, sobre se estava arrependido, o presidente do Chega foi claro: não queria ofender ninguém, garantiu, mas se fosse hoje faria o mesmo, porque o confronto político o justificava. “Não referi a cor da pele, nem a origem ou o estrato social” dos habitantes que surgem na foto com Marcelo Rebelo de Sousa, sublinhou. “E deixei claro que só me estava a referir a uma das pessoas da imagem”, defendeu-se. Sentada atrás dele na sala de audiências, uma das queixosas, Vanusa Coxi, fazia um esforço para conter as lágrimas, sem conseguir. Antes havia dito à magistrada como se tinha sentido ultrajada com as palavras do político. “Nasci em Portugal, sou portuguesa por direito e trabalho desde os 16 anos. Agora estou desempregada mas do Estado não recebo senão o abono de família dos meus filhos”, assegurou.
Quando exibiu a foto na televisão, o adversário de Marcelo Rebelo de Sousa explicou porque o fazia: “Esta fotografia mostra tudo o que a minha direita não é. O candidato Marcelo Rebelo de Sousa juntou-se com bandidos, um deles é um bandido verdadeiramente. (...) Porque esta fotografia que está aqui, (...) não foi tirada depois na esquadra de polícia, foi tirada só, entre aspas e vão-me desculpar a linguagem, à bandidagem. E, portanto, talvez seja aqui uma diferença entre nós: eu não tenho medo de ser politicamente incorrecto, de lhes chamar os nomes que têm de ser chamados e dizer o que tem de ser dito. (...)”, afirmou André Ventura no debate televisivo.
E continuou: “Eu nunca vou ser presidente dos traficantes de droga, nunca vou ser presidente dos pedófilos, nunca vou ser presidente dos que vivem à conta do Estado, com esquemas de sobrevivência paralelos, enquanto os portugueses de bem pagam os seus impostos, todos os dias a levantar-se de manhã à tarde para os pagar e o que fez aqui não tem nenhuma justificação... (...) Muitos destes indivíduos vieram para Portugal para beneficiar única e exclusivamente daquilo que é o Estado social.”
Questionado pelos jornalistas à saída da sala de audiências sobre quem eram então os outros bandidos a que se referia, uma vez que tinha usado o plural nas suas afirmações, o dirigente partidário explicou que falava de todos os habitantes que tinham atacado a polícia à pedrada, em Janeiro de 2019. “E vários membros desta família estiveram envolvidos nisso”, sublinhou.
Para André Ventura este processo judicial pode ter um objectivo oculto: “Se o Chega fosse condenado, esta sentença seria junta ao processo do Tribunal Constitucional que visa a ilegalização do partido por questões de discriminação racial”, antecipa. Também por isso, o líder do Chega prefere deixar o partido de fora desta guerra com o Bairro da Jamaica, assumindo responsabilidades que diz serem só suas. “Assumo as consequências das minhas palavras. E não teria problemas em pedir desculpa. Mas não considero que tenha errado”, insiste.
Já a advogada de André Ventura defendeu a tese de que as declarações sobre a fotografia só ganharam relevância por ter sido o líder do Chega a fazê-las. Ou seja, que quem foi alvo de discriminação foi o líder partidário, uma vez que várias outras pessoas antes dele tinham criticado a ida do Presidente da República ao Bairro da Jamaica sem que tivessem sido alvo do mesmo tipo de reacção por parte da família Coxi nem dos habitantes locais.