Marchas de Sto. António com distância social? “Seria como não deixarem o Sporting ir festejar ao Marquês”

O cancelamento das marchas não foi surpresa para as colectividades que as organizam, que agora apontam a vacinação como grande objectivo. Câmara de Lisboa atribui um apoio de 15 mil euros às marchas.

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Andreia Carvalho

Ninguém esperava outro desfecho. Para as colectividades que organizam as marchas populares de Santo António, surpreendente mesmo foi a Câmara de Lisboa ter esperado até Maio para anunciar o que nos bairros já era ponto assente há muito tempo: pelo segundo ano consecutivo, as marchas não vão descer a Avenida da Liberdade a 12 de Junho.

Com os projectos, músicas e letras já alinhavados desde 2020, uma vez que o tema – Amália Rodrigues – transitou de um ano para o outro, às marchas faltava encomendar os trajes, ensaiar as danças e montar os arcos. Mesmo com os números da pandemia sob controlo e o desconfinamento a todo o vapor a permitirem sonhar com a festa, um mês não chegava para tanto volume de trabalho. “Não há tempo, não conseguíamos”, resume João Ramos, coordenador da marcha de Alfama.

O ano arrancou com a violenta terceira vaga da covid-19 e as colectividades fechadas, o que não permitiu fazer fosse o que fosse. “O clube reabriu há uma semana e de forma muito condicionada”, diz Paulo Lemos, do Sporting da Penha de França, para quem o comunicado da câmara, emitido esta quinta-feira, “acaba por ser um pró-forma”.

No texto enviado às redacções e difundido nas redes sociais, a autarquia diz que é com “particular tristeza” que cancela o concurso das marchas, mas que tinha de o fazer “tendo em conta o actual contexto pandémico e devido às restrições de saúde pública que ainda se mantêm”.

Depois do cancelamento no ano passado pelos mesmos motivos, 2021 era encarado nas colectividades e na empresa municipal de cultura, a EGEAC, como o ano da retoma em força de uma tradição que desde 1988 se realizava ininterruptamente. Mas agora o objectivo que paira na cabeça de todos é um aumento da população vacinada. As marchas atraem habitualmente dezenas de milhares de espectadores à avenida e ao Altice Arena, refere João Ramos, acrescentando ainda outro aspecto: “Mesmo que isto corra bem, grande parte das pessoas que compõem a marcha não está vacinada em Junho.”

E quem teria coragem de pedir aos marchantes que mantivessem as distâncias num momento que é o ponto alto do orgulho bairrista? “Seria a mesma coisa que agora não deixarem o Sporting ir festejar ao Marquês”, comenta o coordenador da marcha alfamista e tesoureiro do Centro Cultural Dr. Magalhães Lima.

Atingir a imunidade de grupo ou perto disso é para onde aponta Pedro de Jesus, coordenador da marcha do Alto do Pina. “Cremos que aí haja condições”, pondera. Por ora, a sua preocupação maior é garantir que o Ginásio do Alto do Pina encontra nova sede, pois terá de sair daquela em que está até Agosto. A câmara disponibilizou um armazém em Marvila para arrumar os pertences do clube, mas a ideia dos seus dirigentes é encontrar novo espaço nas imediações da Rua Barão de Sabrosa. “Não nos passa pela cabeça que no próximo ano a marcha do Alto do Pina saia de uma garagem de Marvila. Não queremos sair daqui. Seria o mesmo que o Sporting sair de Alvalade ou o Magalhães Lima sair de Alfama”, diz Pedro de Jesus.

No comunicado desta quinta-feira, a câmara informa que vai atribuir 15 mil euros a cada uma das 20 colectividades envolvidas no concurso das marchas. Trata-se de metade do valor habitualmente atribuído e é uma forma de “minorar o prejuízo económico” causado pela decisão, diz a autarquia.

O apoio é bem-vindo nos clubes, que se viram privados de receitas durante os meses em que estiveram fechados. E à volta das marchas há profissionais – costureiras, carpinteiros, figurinistas, etc. – que também sofrem com estas paragens.

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