Agência dos medicamentos do Brasil reprova vacina Sputnik V por não ter provas de que é segura
Anvisa diz que o fabricante russo da vacina contra a covid-19 não forneceu os dados pedidos e assinalou falhas no adenovírus usado na sua composição.
Alegando não ter sido fornecida informação suficiente, a agência reguladora dos medicamentos no Brasil, a Anvisa, recusou o pedido a entrada da vacina russa contra a covid-19 Sputnik V no mercado brasileiro, que tinha sido apresentado pelos governadores de 14 estados e municípios.
Os cinco directores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – é esse o nome completo da Anvisa – recusaram, por unanimidade, os pedidos de importação da Sputnik V, considerando que o fabricante da vacina não conseguiu demonstrar sua segurança e eficácia, relata o jornal Folha de São Paulo. Isto, porque o Instituto Gamaleya, que desenvolveu a vacina, não enviou para o Brasil informações consideradas cruciais para a avaliar, explica ainda a BBC Brasil.
O facto de a revista médica The Lancet ter publicado os resultados de uma análise intermédia da terceira fase dos ensaios clínicos da Sputnik V não basta para a Anvisa. “Uma avaliação sanitária é diferente da que é feita por uma revista científica, que não tem por objectivo recomendar ou não o uso de uma vacina, nem tem o compromisso de verificar boas práticas clínicas, nem tem como pressuposto o acesso a todos os dados brutos”, disse Gustavo Mendes, director-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos, citado pela BBC Brasil.
A Sputnik V, que está em apreciação pela Agência Europeia de Medicamentos, usa dois adenovírus modificados como vectores para introduzir a proteína da espícula do novo coronavírus no organismo, para desencadear uma reacção imunitária que proteja a pessoa imunizada de uma infecção pelo SARS-CoV-2. Usa uma tecnologia semelhante à vacina da AstraZeneca ou da Johnson & Johnson.
Mas, disse Gustavo Mendes, os adenovírus usados pela vacina russa conseguem ainda replicar-se nas células humanas. “Isso foi detectado em todos os lotes apresentados. E não foi justificado, nem é aceite, quando comparamos com as recomendações internacionais, nem com outras vacinas de adenovírus “, afirmou ainda o responsável da Anvisa, citado pela BBC Brasil. “O Instituto Gamaleya não fez investigação para estudar estes efeitos. Sem isso, não há resposta para perguntas cruciais sobre a segurança da vacina”, declarou.
Além do pedido dos governadores, a Anvisa vai analisar ainda um pedido de importação da Sputnik V apresentado pela empresa União Química. Mas esse pedido dificilmente terá melhor destino. A Anvisa salienta que a produção da vacina russa tem sido terceirizada em fábricas que seguem os padrões de qualidade estabelecidos pelo Instituto Gamaleya e não os padrões internacionais – por isso a agência reguladora dos medicamentos brasileira diz não conseguir validar os resultados dos testes de qualidade.
O presidente da União Química, Fernando Marques, criticou a Anvisa, acusando a agência de exigir demasiados dados sobre a Sputnik V. “Você já ouviu falar em pêlo no ovo [procurar problemas onde eles não existem]? Pêlo no ovo”, disse Marques à BBC Brasil, exasperado.
Não é a primeira vez que surgem problemas deste tipo. Na Eslováquia, onde o Governo caiu depois de ser revelado um acordo secreto do partido do primeiro-ministro para a compra de dois milhões de doses da Sputnik V, a imprensa eslovaca noticiou que os testes feitos às vacinas recebidas em Bratislava revelaram uma composição diferente da enunciada no artigo da The Lancet.
O instituto eslovaco de controlo dos medicamentos adiou a decisão sobre a eficácia e segurança da vacina russa, alegando que com base na informação disponível não tem condições de retirar conclusões definitivas — mesmo depois da análise da documentação enviada pelo Centro Gamaleya, da realização de 11 testes laboratoriais e da inspecção de unidades de fabrico.
Mas já tinham sido adquiridas grandes quantidades da Sputnik V por vários estados brasileiros, que esperavam colmatar a enorme falta de vacinas contra a covid-19 que existe no Brasil e que com esta decisão viram o chão fugir-lhes debaixo dos pés. “A Anvisa está a dizer que a vacina não presta, que é perigosa e que representa um risco para o ser humano. Foi aprovada pelas agências de 16 países, entre eles a Rússia, a Argentina e o México. Está a ser aplicada em mais de 60 países. Alguém está a mentir”, afirmou o governador do Piauí, Wellington Dias, presidente de um consórcio de governadores da região nordeste que assinou um contrato para a importação de 37 milhões de doses da Sputnik V.
O pedido dos estados foi apresentado à Anvisa no final de Março, com base numa lei que dá à agência entre sete e 30 dias para se pronunciar sobre a vacina contra a covid-19 – e só o poderá fazer no prazo máximo se não for apresentado um dossier pelo fabricante estrangeiro, explica a Folha de São Paulo. A Anvisa chegou a pedir ao Supremo Tribunal Federal um prolongamento do prazo, mas foi recusado pelo juiz Ricardo Lewandowski.