A Cimeira do Porto e o futuro da Europa Social
O modelo social europeu, de que tanto nos orgulhamos, gera um nível de bem-estar que não tem comparação em nenhum outro espaço do planeta. Mas, ao mesmo tempo, mais de 90 milhões de europeus estão em risco de pobreza
A Presidência Portuguesa da União Europeia, que decorre neste semestre, definiu como prioridade o reforço da Europa Social. Esta opção política revela uma visão certeira sobre o futuro do projeto europeu e terá significativa influência na forma como esse devir é construído.
No Porto, no final da primeira semana de maio, a Cimeira Social representará um passo decisivo nesse caminho. Procura-se um compromisso dos diferentes Estados-membros com este desígnio, assegurando o envolvimento das instituições europeias, das autoridades regionais e locais, e dos parceiros sociais. Com a liderança mobilizadora do Governo português, pretende-se alcançar um ponto de não retorno para a afirmação da Europa Social.
Prossegue-se o percurso iniciado em 2017, em Gotemburgo, quando os Estados-membros e as instituições europeias se juntaram para proclamar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Num continente ainda abalado pela resposta dada à crise financeira e orçamental dos anos 2008/2011, a União Europeia (UE) propunha-se abandonar a cartilha da austeridade que tinha marcado a sua prática na década anterior.
O projeto europeu, gerado no pós-guerra para ajudar a construir um futuro coletivo de paz, de democracia e de prosperidade económica, não vive se não for capaz de alcançar o progresso social. Aliás, o objetivo do progresso social, aliado à promoção do pleno emprego, está inscrito no Tratado de Lisboa. Segundo dados recentes do Eurobarómetro, a esmagadora maioria dos europeus desejam uma maior intervenção da União na promoção da coesão social e da igualdade de oportunidades.
Vivemos contradições que urge superar. O modelo social europeu, de que tanto nos orgulhamos, gera um nível de bem-estar que não tem comparação em nenhum outro espaço do planeta. Mas, ao mesmo tempo, mais de 90 milhões de europeus estão em risco de pobreza e o mesmo acontece a uma em cada cinco crianças, com consequências devastadoras para as suas perspetivas de vida. Vivemos numa séria crise demográfica, mas permitimos que mais de 10% dos jovens se encontrem sem trabalho e fora do sistema de ensino e de formação. Proclamamos a igualdade de género, mas convivemos com uma injustificável desigualdade salarial entre homens e mulheres. Na Europa, o número de pessoas em situação de sem abrigo aumentou na última década, faceta mais explosiva de uma crise generalizada no acesso à habitação.
A reorientação de prioridades que a Presidência Portuguesa pretende consolidar visa dar resposta a estes e a outros problemas. Finalmente temos um Plano de Ação para implementar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, apresentado pela Comissão Europeia em março. Nele são definidos objetivos ambiciosos, alguns deles quantificados: garantir o pleno emprego, isto é, que 78% dos europeus entre os 20 e os 64 anos têm trabalho; assegurar que, em cada ano, 60% dos adultos estão envolvidos em formação; retirar pelo menos 15 milhões de pessoas da pobreza até 2030.
Na concretização deste Plano de Ação, a Comissão tem assumido iniciativas que, há poucos anos atrás, seriam impensáveis. Entre outras, três propostas de novas diretivas europeias (sobre salários mínimos adequados na UE, sobre os direitos dos trabalhadores das plataformas digitais e sobre a transparência salarial) ou a Garantia Europeia para a Infância.
Com a Cimeira Social do Porto, Portugal ficará associado de forma indelével ao mais generoso dos desígnios do projeto europeu, o de assegurar o progresso social em benefício de todas as pessoas.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico