O pesadelo da Índia em imagens: hospitais repletos, falta de oxigénio e uma nova variante
A Índia tem registado um subida galopante de infecções por covid-19, com mais de 250 mil casos diários nos últimos dias. Muitos hospitais estão a declarar uma grave falta de camas, medicamentos e equipamentos médicos e a funcionar com níveis perigosamente baixos de oxigénio. Alguns já suspenderam qualquer admissão de novos doentes. Líderes indianos estão relutantes em declarar um novo confinamento.
Estão reunidos os ingredientes para uma tragédia: um aumento galopante de novos casos (que pode estar aliado a uma nova variante mais transmissível do SARS-CoV-2), um sistema de saúde frágil agora sobrecarregado pelos doentes com covid-19, uma crise no fornecimento de oxigénio, medicamentos e material médico.
A Índia registou esta sexta-feira, 23 de Abril, pelo segundo dia consecutivo, um novo máximo mundial de novos casos de infecção pelo novo coronavírus, ao contabilizar 332.730 infectados.
O aumento de novos casos registados nesta segunda vaga tem sido vertiginoso, com um aumento de mais de 100 mil infecções só na última semana, o que contrasta com as menos de dez mil infecções diárias registadas em Fevereiro, quando muitos pensavam que o pior já tinha passado. O número de mortes das últimas 24 horas (2263) também representa um novo máximo, segundo o Ministério da Saúde.
As autoridades do Norte e Oeste da Índia, incluindo na capital, Nova Deli, têm alertado, nos últimos dias, que muitos hospitais estão a declarar uma grave falta de camas, medicamentos e equipamentos médicos e a funcionar com níveis perigosamente baixos de oxigénio. Vários hospitais na região de Nova Deli já avisaram que têm oxigénio apenas para algumas horas. O Tribunal Superior de Nova Deli ordenou, na quarta-feira, que o Governo desviasse o oxigénio do uso industrial para os hospitais, para salvar a vida das pessoas. “Implorar, pedir emprestado ou roubar... é uma emergência nacional”, disseram os juízes em resposta a uma petição de um hospital daquele estado.
Na quarta-feira, 22 pacientes com covid-19 morreram num hospital público no estado de Maharashtra, quando o fornecimento de oxigénio foi interrompido depois de ter ocorrido uma fuga nos tanques, escreve a agência Reuters. As autoridades de saúde relacionam algumas mortes dos últimos dias com esta crise de oxigénio em muitas regiões indianas, mas também com a sobrelotação dos hospitais.
A Max Healthcare, que administra uma rede de hospitais no Norte e Oeste da Índia, publicou um apelo no Twitter, esta sexta-feira, a pedir material médico e oxigénio para os seus hospitais em Nova Deli, afirmando que tinha “menos de uma hora de oxigénio” disponível.
Nova Deli, uma das regiões mais populosas do país, contabilizou mais de 26 mil novos casos e 306 mortes, um óbito a cada cinco minutos – o ritmo mais rápido desde o início da pandemia. Segundo os números das autoridades de saúde, desde o início da pandemia registaram-se 16,2 milhões de infecções e 186.920 mortes – é o segundo país com mais casos, apenas atrás dos Estados Unidos.
E, como se tudo isto não bastasse, uma variante do novo coronavírus continua a espalhar-se, ao mesmo tempo que aumenta o número de casos – mas ainda não se sabe quão determinante é para esta nova vaga de covid-19 na Índia. Especialistas em Saúde disseram que o país baixou a guarda quando, no Inverno, o número diário de infecções parecia controlado e tinha baixado para os 10 mil casos diários. Nessa altura, aligeiraram-se várias medidas e passou a permitir-se grandes concentrações de pessoas.
Os líderes indianos estão relutantes em declarar um novo confinamento nacional como o imposto em Abril de 2020, que levou centenas de milhares de trabalhadores migrantes a voltar às suas aldeias e cidades de origem. O êxodo prejudicou a economia indiana, empurrando milhões para o limiar de pobreza, o que, para alguns, pode ter sido mais mortal do que o próprio vírus.
Alguns dos especialistas afirmam que as novas variantes são as principais responsáveis pelo aumento de casos, mas muitos também culpam os políticos, que permitiram que decorressem comícios antes das eleições locais e grandes celebrações religiosas.
A Índia já lançou a sua campanha de vacinação, mas apenas uma pequena fracção da população já foi inoculada. As autoridades anunciaram que as vacinas estarão disponíveis para qualquer pessoa com mais de 18 anos a partir de 1 de Maio, mas o país não terá vacinas suficientes para os 600 milhões de pessoas que se tornarão elegíveis. A Índia produz mais de 80 milhões de vacinas por mês e tem administrado cerca de 3 milhões por dia nas últimas semanas. É uma das taxas de vacinação mais rápidas do mundo, mas quase não fez diferença num país com uma população adulta estimada em 900 milhões de pessoas. Serão precisos vários meses para que uma fatia considerável da população seja inoculada.
O aumento do número de vítimas mortais a cada dia levanta outro problema: que destino final dar aos corpos destes doentes, que não podem ter um funeral tradicional. Os fornos a gás e lenha de um crematório no estado de Gujarat estão a funcionar há tanto tempo sem interrupção que partes do metal começaram a derreter. “Estamos a trabalhar 24 horas por dia com capacidade de 100% para cremar os corpos dentro dos prazos”, disse Kamlesh Sailor, presidente do fundo que administra o crematório na cidade de Surat, à Reuters.
Com os hospitais cheios e o oxigénio (e medicamentos) em falta, várias grandes cidades estão a registar um número muito maior de cremações e enterros debaixo dos protocolos da covid-19 do que o número oficial de mortes.
Uma fonte da autoridade da saúde estatal disse que o aumento do número de cremações se deve ao facto de os corpos serem cremados “mesmo que exista 0,1% de probabilidade de a pessoa ter sido infectada”. “Em muitos casos, os doentes chegam ao hospital em condições extremamente críticas e morrem antes de serem testados e há casos em que os pacientes são trazidos já sem vida para o hospital e não sabemos se são casos de infecção ou não.”
Mas Bhramar Mukherjee, professora de Bioestatística e Epidemiologia da Universidade do Michigan (EUA), afirma que muitas partes da Índia estão em “negação de dados”. “Está tudo tão confuso. Parece que ninguém entende a situação com clareza. Nesta altura, toda a gente está a lutar pela sua própria sobrevivência e a tentar proteger os seus entes queridos. É difícil de assistir a isto”, disse.
Em Surat, a segunda maior cidade de Gujarat, dois dos maiores crematórios cremaram mais de 100 corpos por dia na semana passada. Segundo a Reuters, situações semelhantes estão a acontecer noutros locais. Em Lucknow, capital do populoso estado de Uttar Pradesh, no Norte do país, os dados do maior crematório (que apenas recebe corpos de doentes com covid-19) mostram um número superior de corpos cremados do que os dados do Governo de mortes em toda a cidade.
Por causa de situações como estas, aqueles que perdem familiares estão a procurar serviços fúnebres que decorrem em instalações improvisadas, realizando enterros e cremações em massa.