A UE quer uma economia mais sustentável, mas “é preciso mais financiamento” para uma transição justa
O fundo para uma transição justa (FTJ) pretende compensar trabalhadores e regiões dependentes de indústrias fósseis. A Comissão Europeia queria 40 mil milhões de dotação, mas o valor caiu para menos da metade.
Uma economia mais digital e com menos impactos ambientais. É esse o objectivo da União Europeia (UE), alicerçado no Pacto Ecológico Europeu, que tem como meta atingir a neutralidade carbónica até 2050. Nesta fase da história, que se pretende marcada por uma mudança estrutural nas economias, algumas indústrias serão forçadas a cessar actividade.
Para suportar o reverso da moeda e compensar as consequências dessa transição, a UE criou o fundo para uma transição justa (FTJ), para apoiar as regiões mais poluentes e os trabalhadores de sectores de combustíveis fósseis. “O FJT é um elemento nuclear para esta nova estratégia para a redução de emissões a nível europeu”, afirma ao PÚBLICO Pedro Marques, deputado ao Parlamento Europeu e relator-sombra da proposta de regulamento do fundo.
Para o socialista, a estratégia para uma transição justa tem de abarcar uma “dupla dimensão”: por um lado existe a necessidade de criar novos “empregos verdes”; por outro, é preciso não descurar o “apoio social” às comunidades ainda dependentes de trabalhos em indústrias poluentes.
Para isso, é também “fundamental” preparar os trabalhadores para “empregos completamente diferentes”: “Isso não se faz de um dia para o outro e nem sequer vamos conseguir que todas as pessoas sejam imediatamente integradas - por isso é que é tão importante essa almofada social”, diz Pedro Marques.
Uma almofada que terá um valor bastante inferior àquilo que era pretendido pela Comissão Europeia. Inicialmente, o executivo europeu queria 40 mil milhões para o FTJ. O valor caiu para mais de metade após as negociações com o Conselho Europeu. “O conselho, naquelas negociações do quadro financeiro plurianual, cortou e passou o montante de 40 mil milhões de euros para 17,5 mil milhões de euros. Ou seja, o FTJ terá 17,5 mil milhões: 7,5 são do quadro financeiro plurianual e os outros 10 mil milhões vêm do Next Generation EU”, explica ao PÚBLICO o eurodeputado José Manuel Fernandes, eleito pelo PSD, acrescentando que Portugal vai receber 204 milhões.
O social-democrata não deixa de criticar os valores atribuídos aos estados-membros, sobretudo tratando-se de um fundo “feito sob a lógica da coesão” territorial. “Por exemplo, a Finlândia tem menos população do que Portugal mas recebe o dobro. Há aqui fundos, tal como este, onde nas negociações do conselho há distribuição de prendas.” Por isso, o social-democrata não tem dúvidas: o fundo “deveria ser muito maior”. “A UE define objectivos ambiciosos, o que é positivo, mas depois não dá os recursos suficientes para atingir estes objectivos”, critica.
Sandra Pereira, deputada no Parlamento Europeu eleita pelo PCP, também considera os valores insuficientes. Mais: alerta que “ainda há muito por fazer”. “Se é suposto ser uma transição justa, uma transição implica algum tempo, algumas mudanças e para essas mudanças é preciso mais financiamento”.
Para a comunista, há um exemplo em Portugal de “tudo aquilo que pode correr mal” se essa transição “não for verdadeiramente justa”: a refinaria de Matosinhos, que continua com futuro incerto depois do anúncio de encerramento em 2021. Na semana passada, Sandra Pereira questionou a Comissão sobre assunto e a resposta chegou através da comissária europeia da Coesão e Reformas, Elisa Ferreira.
“Matosinhos foi identificado no relatório relativo a Portugal de 2020 como uma das áreas que poderiam beneficiar do FTJ, juntamente com o Alentejo Litoral e o Médio Tejo”, lê-se na resposta da Comissão, que não deixou a comunista satisfeita. “Este é um caso paradigmático. A nossa principal preocupação é com os postos de trabalho, que se esteja a usar este fundo, que não deveria deixar ninguém para trás, para despedir milhares e milhares de trabalhadores por toda a UE”.