Musicólogo português investigou histórias por detrás das dedicatórias de Beethoven

A novidade faz parte do livro Beethoven’s Dedications - Stories Behind the Tributes, que Artur Pereira publicou recentemente no Reino Unido, onde reside e trabalha.

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Manuscrito autógrafo de Grande Fuga em Si bemol maior de Ludwig van Beethoven Reuters/REUTERS/HO

A dedicatória do compositor Beethoven da famosa Sonata ao Luar a uma alegada musa foi afinal uma forma sarcástica de se vingar pela forma como se sentiu desrespeitado, descobriu o musicólogo e pianista português Artur Pereira. 

A novidade faz parte do livro Beethoven's Dedications - Stories Behind the Tributes [Dedicatórias de Beethoven - Histórias por Detrás das Dedicatórias] que publicou recentemente no Reino Unido, onde reside e trabalha, resultado de um trabalho de investigação aprofundado e original sobre as dedicatórias deixadas pelo compositor alemão (1770-1827). 

A Sonata para Piano nº14, conhecida por Sonata ao Luar, é usada frequentemente na banda sonora em filmes e inspirou inclusivamente o tema Because dos Beatles. 

Em 1802, quando a composição original foi publicada, incluía uma dedicatória a Giulietta Guicciardi, a quem dava aulas de piano e pela qual se terá apaixonado, mas o musicólogo português considera que o gesto foi “mais um acto de vingança do que o amor que ele tinha por ela”.

“Ele estava interessado na condessa e dava-lhe aulas de graça, mas chegou a um determinado momento em que a mãe dela lhe ofereceu um presente qualquer, não há certezas bem o que é, dinheiro ou outra coisa qualquer, e o Beethoven ficou muito ofendido”, conta o musicólogo. 

De uma carta que encontrou no espólio do compositor é possível inferir, diz Pereira, que, ao oferecer-lhe remuneração, a mãe da condessa “estava a tratá-lo como um servente, e de uma forma muito subtil dizer: “Nem sequer penses que tu e a minha filha alguma vez vão estar juntos porque tu és um professor de piano e é aí que ficas"”. 

O musicólogo português entende que Beethoven dedicou a obra que ele tinha a certeza de que iria ser muito famosa “como vingança” porque assim a história não seria esquecida. 

“Ele tinha um feitio um bocadinho orgulhoso”, explica.

Esta é uma das histórias que descobriu da catalogação e análise às centenas de dedicatórias que o compositor, não só impressas mas também escritas à mão, criando uma “quase biografia paralela do ponto de vista das dedicatórias”, disse à agência Lusa. 

“A grande novidade do livro é que mostra a vertente não só das dedicatórias oficiais, mas muitas mais íntimas a amigos e conhecidos que o visitavam. Dá-nos uma perspectiva do compositor e das relações que ele tinha com uma série de pessoas de forma mais aprofundada”, explicou.

Artur Pereira, que começou a estudar este tema durante um doutoramento na Universidade de Manchester, diz ter encontrado um padrão nas dedicatórias: as obras mais relevantes eram dedicadas a pessoas conhecidas internacionalmente, como líderes políticos, e as menores a pessoas menos importantes. 

Por exemplo, tem obras dedicadas ao czar russo Alexander I, mas a certa altura recuou na intenção de dedicar a Terceira Sinfonia a Napoleão Bonaparte devido às invasões francesas.

Noutras alturas, usou também dedicatórias de forma pessoal, para mostrar amizade ou reconhecimento pelos apoios financeiros de mecenas, em geral membros da nobreza.

O livro de Artur Pereira, um volume de mais de 400 páginas considerada uma obra de referência para os especialistas em Beethoven, estava previsto ser publicado para coincidir com o 250.º centenário do nascimento do compositor alemão, em 2020. 

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Porém, a pandemia de covid-19 arrasou os planos para as comemorações a nível mundial, cancelando palestras, recitais e muitos concertos do português, um pianista reputado que se apresenta frequentemente como solista. 

Confinado em casa, dedicou-se a preparar um projecto ambicioso de gravar todas as 35 Sonatas para Piano de Beethoven de acordo com “práticas concertísticas da altura” nos próximos cinco anos.

Tem também um terceiro álbum previsto para este ano, no qual interpreta obras do compositor português Luís Costa, que morreu em 1960, do qual já tinha incluído algumas obras num disco anterior. 

“Estando a viver em Inglaterra, sinto que é um bocado o meu dever dar a conhecer a música do nosso país, que é riquíssima e não fica atrás de grandes nomes conhecidos mundialmente, e precisa de mais atenção”, adiantou Pereira. 

Nascido em Lamego, Artur Pereira começou os estudos musicais aos 7 anos e deu o primeiro recital aos 13. 

Frequentou a Escola Superior de Música do Porto e a Universidade de Stellenbosch, na Cidade do Cabo, na África do Sul, onde se licenciou. 

Em 2008 mudou-se para o Reino Unido, onde iniciou um mestrado no Royal Northern College of Music, em Manchester, acompanhado pela pianista britânica Norma Fisher, e em 2016 concluiu o doutoramento na Universidade de Manchester, sob orientação de Barry Cooper, um dos maiores conhecedores mundiais de Beethoven. 

Além de ser professor na Universidade de Manchester e de dar aulas privadas de piano, apresenta-se regularmente em concerto como solista e músico de câmara.