Fisco avalia “todas as prerrogativas” para fiscalizar venda das barragens da EDP

Directora-geral do fisco diz que a AT está a preparar uma estratégia “sólida” para inspeccionar o negócio. E, num “sinal de confiança aos cidadãos”, garante que o fisco o faria “independentemente” da discussão pública do caso.

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Helena Borges é a directora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira Enric Vives-Rubio

A directora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), Helena Borges, garante que o fisco está a definir a estratégia para inspeccionar as implicações fiscais da venda de seis barragens da EDP ao consórcio francês liderado pela Engie no final do ano passado, por 2200 milhões de euros, para que a fundamentação seja “suficientemente sólida e robusta”, mesmo precavendo-se para um cenário em que o caso vá parar aos tribunais.

Ouvida no Parlamento nesta quarta-feira sobre o assunto, Helena Borges quis desmistificar a ideia de que “a AT só está a prestar atenção porque ele foi trazido para a opinião pública” e assegurou que a administração tributária, como noutros casos, não exclui nenhuma prerrogativa legal.

“Sim, a autoridade tributária está a tratar este tema, nas etapas que são próprias; sim, nós teríamos sempre tratado esta operação independentemente da sua discussão pública, e isso é um sinal relevante para a sociedade; e fá-lo-emos usando todas as prerrogativas que a lei nos confere — não excluímos nenhumas, mas procuraremos não expressar ainda quais são, até porque essas dependem da estratégia que neste momento naturalmente teremos de reavaliar até ao momento de exteriorizarmos os nossos actos”, assegurou aos deputados.

“Há actos preparatórios, há toda uma definição de uma estratégia para abordar este tipo de operações e para determinar as correcções a que houver lugar.” O momento da fundamentação, disse, é decisivo, porque “tem de ser suficientemente sólida e robusta para ser capaz de sobreviver ao escrutínio não apenas dos destinatários dos nossos actos, como dos próprios tribunais”, disse.

A directora-geral da AT começou por afirmar que, por causa do sigilo fiscal, não poderia entrar em detalhes, nem iria fazer enquadramentos em abstracto para não colocar as empresas numa situação de vantagem, por saberem à partida qual seria o posicionamento da AT. E mesmo sabendo-se que no centro da audição está a operação da venda das barragens, a directora-geral evitou sempre nomear a empresa ou aqueles activos, usando expressões alternativas para se referir à transacção ou ao grupo como “operações com características como as que se discutem hoje [na opinião pública]”.

Borges não disse se o fisco poderá vir a invocar as normas antiabuso para considerar que se tratou de uma operação de planeamento fiscal abusiva, não só porque não iria pronunciar-se sobre a fiscalização, mas também para não dar cartas ao contribuinte alvo da inspecção.

Depois de o PSD e o BE terem exigido explicações ao Governo sobre o enquadramento do negócio quando se soube que a EDP entende que a operação de reestruturação que realizou para concretizar a venda não está sujeita a Imposto do Selo, o primeiro-ministro, António Costa, chegou a dizer no Parlamento não acreditar que, “depois deste bruaá todo”, a directora da AT não tivesse “mandado ver o que se passa com esse negócio”.

Fisco conhece “obrigações”

Helena Borges fez questão de deixar claro que a AT sabe quais são as suas “obrigações” e as “limitações” temporais que tem para agir perante um contribuinte, neste caso uma empresa de grande dimensão, que é acompanhada na Unidade dos Grandes Contribuintes. E reagiu à mediatização do caso, dizendo: “Também me surpreende quando se deve exigir que a AT verifique esta operação.” “Queria deixar um sinal de confiança aos cidadãos e à sociedade em geral de que isso [não fiscalizar] nunca esteve em causa do nosso lado.”

Os contornos do negócio foram trazidos para a praça pública pelo Movimento Cultural da Terra de Miranda e saltou para a discussão parlamentar pela mão do PSD e do BE.

“Não podemos reagir perante o imediatismo quer da discussão pública, quer da imprensa, quer [de] quem olha com atenção para isto mas não tendo provavelmente todos os elementos que lhes permitem avaliar qual é o momento próprio para agirmos”, disse.

“Esta operação não se distingue em nada das demais que controlamos ao longo do ano”, sublinhou a responsável máxima da AT, que também fez questão de lembrar que, quando emitir a sua decisão sobre se há ou não pagamento de impostos, isso não significa que a decisão venha a ser conhecida, pelo menos por iniciativa do fisco. “Vamos expressar os nossos actos na esfera privada, na relação directa com as empresas”, afirmou.

Helena Borges sublinhou ainda que “a urgência na resolução” deste caso “resulta do interesse” da AT no apuramento dos factos, mas que a instituição tem de saber “gerir os recursos” e não pôr em risco outros processos que estejam a aproximar-se da caducidade dos prazos.

EDP não pediu decisão antecipada

Como o PÚBICO noticia nesta quarta-feira, a EDP abdicou de uma prerrogativa prevista na lei que permitia solicitar à AT uma fiscalização prévia, isto é, solicitar ao fisco uma “decisão antecipada” — válida por três anos — sobre “a qualificação jurídico-tributária” de uma operação “com contingência fiscal, decorrente de incerteza quanto ao seu enquadramento, para o cumprimento das obrigações declarativas”, uma possibilidade que está prevista no Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira desde 2013.

Reagindo à informação, referida na audição parlamentar pelo deputado do PSD Afonso Oliveira, Helena Borges fez questão de dizer que a AT não é fonte de notícias sobre este caso e acrescentou: “Não temos respondido à imprensa a este propósito.”

Foi o próprio presidente executivo da eléctrica, Miguel Stilwell de Andrade, quem admitiu no Parlamento que a empresa controlada pela China Three Gorges não comunicou a operação previamente.

Helena Borges confirmou que as prerrogativas dos pedidos de informação vinculativa e de fiscalização prévia existem e deixou claro que não houve “qualquer envolvimento da UGC na preparação” da operação, permitindo ao fisco que agora actue de forma livre. “Estamos inteiramente livres para aplicar o quadro legal de que dispomos”, frisou.

Pensar nos prazos

Borges explicou que “uma actuação prematura [da AT] pode ser prejudicial neste e noutros casos”, por causa dos prazos de conclusão das acções inspectivas. Quando o fisco realiza uma fiscalização, disse, procura “desenvolver os seus procedimentos de forma a melhor aproveitar o quadro legal que tem ao seu dispor”.

As acções de controlo podem ser “de âmbito parcial ou geral e, se a AT iniciar um procedimento de âmbito parcial, pode estar a “queimar tempos, perder prazos para depois fazer um controlo mais abrangente neste tipo de empresas”. Por norma, diz, estas inspecções são demoradas porque os grupos económicos não têm exclusivamente esta operação, mas várias que devem ser fiscalizadas. “Não podemos correr o risco de nos arrastarmos para um controlo de uma operação destas [ou seja, uma acção parcial] e ficarmos impedidos de desenvolver uma acção de controlo alargada às demais operações”, explicou.

O famoso Artigo 60.º

A oposição tem levantado insistentemente a questão sobre se foi a alteração introduzida pelo Governo ao Artigo 60.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) que permitiu à EDP sustentar a convicção de que não há lugar ao pagamento do Imposto do Selo nesta operação. Em resposta à deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, Helena Borges esclareceu que a iniciativa de alteração não partiu da AT, que se limitou a uma “pronúncia técnica” e que não encontrou “nenhuma dificuldade técnica”.

Mas perante a insistência do deputado Afonso Oliveira (PSD), sobre se, sem a alteração ao Artigo 60.º, “o negócio teria sido igual” e se essa alteração pode ser evocada para justificar a isenção do imposto do selo, a directora-geral da AT frisou que ainda não é o tempo de a administração fiscal dizer quais são os argumentos que aceita ou não.

O que não existe, frisou, é “qualquer reconhecimento para o caso concreto”, pela AT, de que há “qualquer isenção ou não sujeição” a imposto. As empresas desenvolvem os seus negócios e assumem que não têm de pagar impostos, mas isso “não nos vincula em nada”, sublinhou Helena Borges aos deputados.

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