Fernando Medina: “Jorge Coelho foi um dos principais obreiros do moderno Partido Socialista”
Fernando Medina foi um dos últimos políticos a conversar com Jorge Coelho. Uma tertúlia em que discutiram estratégias, analisaram a situação política e, claro, Lisboa.
Foi dos últimos políticos a falar com Jorge Coelho. Podemos saber do que conversaram?
Cheguei atrasado ao encontro marcado e tinha hora de saída ditada pela ida à televisão nessa noite. Tínhamos menos tempo que o previsto e fomos logo directos ao assunto: a análise da situação política do país, as mais recentes sondagens e, claro, Lisboa. Com um pequeno grupo de amigos revimos os últimos desenvolvimentos, partilhámos leituras sobre os mais recentes números, interpretámos posicionamentos, antevimos cenários, rimos. O Jorge, como sempre, ouviu mais do que falou, procurando completar a informação que tinha com factos ou ângulos novos (ele que era invariavelmente o mais bem informado). Pelo meio chamava a atenção para o que achava serem os pontos críticos, nascidos da intuição, da experiência, do conhecimento profundo que tinha das pessoas. Tudo sempre pontuado, claro, pelas históricas tiradas bem-humoradas que a todos fazia. Foi um encontro como tantos outros, misto de tertúlia e de grupo de acção, ou melhor, da reflexão e da partilha que vão a par com toda a acção. Sim, porque o Jorge foi sempre um homem de acção política.
Qual foi a importância de Jorge Coelho para o PS?
Jorge Coelho foi um dos principais obreiros do moderno Partido Socialista, nascido da construção da alternativa vitoriosa ao cavaquismo. Esse processo marcou profundamente o PS e transformou-o em aspectos centrais que mantém até hoje. Jorge Coelho esteve no centro da acção que levou à ascensão de António Guterres, aos Estados Gerais (no que isso trouxe de aproximação ao PS de novas ideias e novos protagonistas – “os independentes”), e significativamente à unificação das diferentes sensibilidades operada durante esses anos, transformando o PS na força política mais alargada e mobilizadora no país. A unidade do partido não deixou a partir de então de ser um elemento decisivo nos processos seguintes de transição de liderança (e Jorge Coelho foi peça importante em todos) no que claramente é uma marca distintiva e com forte contributo para o sucesso eleitoral do PS desde esse período. O carácter verdadeiramente central que Jorge Coelho sempre atribuiu à unidade do PS para a eficácia da acção política à esquerda tinha reflexo natural na forma como agia, procurando pontes, aproximações, convergências, amizades. E tinha reflexo natural na forma como era visto por todos.
É claro que o PS tem várias personalidades que são importantíssimas referências políticas, morais e éticas. Mas o papel do Jorge Coelho era diferente. Ele transformou-se na grande referência afectiva, num ponto de convergência que unia as diferentes pontas e que todos sabiam estar cá a fazer isso mesmo. A sua personalidade teve um papel central em tudo isto - a alegria de viver, a vontade genuína de conhecer e estar com o outro, a inteligência política e emocional de compreender o outro. E destacadamente a coragem política (e até física) associada a uma rara intuição, que o levava a ser a pessoa determinante em tantas e tantas situações que se revelaram marcantes. O país não esquece ainda hoje o exemplo da demissão depois do acidente de Entre-os-Rios, mas qualquer militante é capaz de recordar momentos em que num comício, numa reunião, numa campanha, numa conversa, a acção, a palavra de alento, de força de camaradagem do Jorge Coelho fez a diferença entre o insucesso e o sucesso. Tudo isto foi central na construção do PS como hoje o conhecemos, muito herdeiro da visão política que a unidade do partido é essencial para o sucesso da acção política da esquerda em Portugal.
Qual a influência de Jorge Coelho na sua vida política?
Marcou-me vê-lo em acção nos tempos de António Guterres, quando eu trabalhava com o então PM. A cumplicidade entre ambos era total e o papel de Jorge Coelho no Governo e no partido era decisivo. Entre-os-Rios teve um impacto prático e anímico enormíssimo. Encontrei-me depois com Jorge Coelho nas sucessivas campanhas eleitorais do PS, onde ele acabou sempre por assumir um papel importante. As horas, os momentos, as noitadas foram estreitando a camaradagem. Tínhamos ao início a ligação a António Guterres a aproximar-nos, que o tempo transformou em relação própria de amizade e camaradagem. Sentirei falta de muita coisa mas há duas marcas políticas muito fortes que o Jorge deixa: o sentido da genuína camaradagem e da importância da unidade do partido para a eficácia da acção política da esquerda.