Jorge Coelho (1954-2021), o político que assumiu a responsabilidade
Morreu esta quarta-feira à tarde numa habitação na Figueira da Foz, na sequência de doença súbita, aos 66 anos. Quando os Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz chegaram ao local, já se encontrava em paragem cardiorrespiratória.
Jorge Coelho morreu esta quarta-feira à tarde numa habitação na Figueira da Foz, na sequência de doença súbita, aos 66 anos. A notícia foi avançada inicialmente pela SIC, tendo o PÚBLICO confirmado o óbito com o comandante dos Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz, a corporação que recebeu o alerta para socorrer um homem vítima de doença súbita. Quando os bombeiros chegaram ao local, Jorge Coelho já se encontrava em paragem cardiorrespiratória.
O alerta chegou ao quartel dos voluntários da Figueira da Foz às 15h51, explicou ao PÚBLICO o comandante Jody Rato. Uma ambulância dirigiu-se para o local, mas quando os bombeiros chegaram Jorge Coelho já estava em paragem cardiorrespiratória. “Foram iniciadas manobras de suporte básico de vida e usado um desfibrilhador automático”, refere o comandante. Foi accionada a Viatura Médica de Emergência e Reanimação, mas sem efeito útil já que o óbito acabou por ser declarado no local. O corpo foi, entretanto, transferido para o Instituto Nacional de Medicina Legal, em Coimbra, onde deverá ser autopsiado.
Ministro em dois governos de António Guterres, Jorge Coelho ficou definitivamente associado à queda da ponte de Entre-os-Rios, que o levou a pedir a demissão, alegando que a culpa não podia morrer solteira. Foi a 5 de Março de 2001. Morreram 59 pessoas.
“A culpa não pode morrer solteira. Nesse sentido, têm que se tirar as consequências políticas. (…) Não ficaria bem com a minha consciência se continuasse”, disse, depois de se demitir, após a queda da Ponte Hintze Ribeiro. Em Janeiro de 2020, à SIC, haveria também de afirmar: “Aquilo que mais me marcou na vida foi a queda da ponte de Entre-os-Rios. (…) Não teria coragem de olhar mais para mim se não tivesse tomado a decisão que tomei, embora não tivesse culpa nenhuma”.
Na biografia Jorge Coelho – O Todo-Poderoso (2014), assinada pelo jornalista Fernando Esteves, o ex-ministro conta um diálogo ao telefone com o primeiro-ministro:
“– António, vou-me demitir.
– Não faças isso, Jorge. Não tens culpa nenhuma do que aconteceu.
– Não, tenho de sair. Sou o responsável político pela pasta, alguém tem de dar a cara pelo que aconteceu.
– Vamos abrir um inquérito e apuramos responsabilidades. Depois vemos o que fazer. Não te vás embora assim!
– Eu sou o ministro, tenho mesmo de me demitir. A minha decisão está tomada.”
Foi ministro de três pastas nos governos de António Guterres: ministro-adjunto; ministro da Administração Interna; ministro da Presidência e do Equipamento Social. A partir de 1992, com Guterres na liderança, Jorge Coelho foi secretário nacional para a organização, contribuindo para a vitória eleitoral dos socialistas nas legislativas de Outubro de 1995.
Tornou-se um “bombeiro” chamado a resolver problemas internos do PS em vários momentos da história do partido. E especializou-se em marketing eleitoral: chegou a ir a Londres conhecer os segredos da eleição do jovem trabalhista Tony Blair e assistiu a comícios do socialista Felipe Gonzalez, em Espanha.
“Homem bom e solidário”
Entre várias outras reacções à morte de Jorge Coelho, Marcelo Rebelo de Sousa recordou, em directo na SIC Notícias, um amigo que "criou laços pessoais que ultrapassavam as barreiras do seu partido, ultrapassavam até os limites daquilo que era o círculo muito amplo dos seus amigos de sempre”. Em directo da sede do PS, António Costa recordou o ex-governante como um “cidadão dedicado ao país” que era capaz de, nos momentos mais difíceis, dar “uma palavra de serenidade e bom senso”. “Os portugueses recordarão seguramente o Jorge Coelho como um cidadão dedicado ao seu país, que serviu com grande dignidade o Governo da República que deixou há 20 anos num momento trágico que decidiu assumir pessoalmente a responsabilidade politica por uma tragédia imensa”, disse o primeiro-ministro.
O presidente da Assembleia da República e ex-líder socialista, Ferro Rodrigues, já se mostrou também chocado e triste com a morte do amigo, lembrando que era alguém que se batia por causas: “Homem bom e solidário, foi sempre alguém que se bateu por causas, em especial pela democracia e pela igualdade. Foi também um sobrevivente, com quem aprendi a enfrentar as adversidades”, lê-se em nota enviada à agência Lusa. Foi Jorge Coelho quem, em 2001, proferiu a célebre frase “quem se mete com o PS leva” e, mais tarde, em 2014, afirmou que o governo de Passos Coelho queria “transformar este país quase num Vietname”.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho nasceu a 17 de Julho de 1954 em Viseu. Licenciou-se em Organização e Gestão de Empresas pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), da Universidade Técnica de Lisboa.
Estreou-se na administração pública como Técnico Superior Principal no STAPE (Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral), entre 1974 e 1983. De 1983 a 1985 foi chefe de Gabinete do secretário de Estado dos Transportes. Depois, ocupou vários cargos, entre os quais secretário-geral da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, secretário-adjunto do Governo de Macau, deputado à Assembleia da República e ministro em vários governos.
Depois da política foi administrador da Congetmark e presidente da Assembleia Geral da Sociedade das Águas da Curia. De 2008 a 2013, foi presidente da Comissão Executiva da Mota-Engil, vice-presidente do Conselho de Administração da Mota-Engil e membro do Conselho Consultivo do Banco de Investimento Global (BIG).
O “todo-poderoso” que questionou a sua própria importância
“No exercício das funções que ocupou na estrutura do Partido Socialista e no Governo de Portugal, condicionou decisivamente a história recente de Portugal e dos portugueses. Teríamos um país diferente se Jorge Coelho nunca tivesse existido – de quantas pessoas se poderá dizer o mesmo?”, lê-se na biografia Jorge Coelho – O Todo-Poderoso.
“O seu papel foi fundamental para que António Guterres se tornasse primeiro-ministro de um Governo que, entre outras coisas, inventou o Rendimento Mínimo Garantido e carimbou a adesão de Portugal ao Euro. Também foi ele quem verdadeiramente decidiu que José Sócrates sucederia a Ferro Rodrigues na liderança do PS, depois de este ter substituído, também por influência sua, António Guterres aquando da sua demissão. Se em 2004 Jorge Coelho tivesse apoiado António José Seguro (que colocou a hipótese de avançar contra Sócrates), Portugal seria outro – nunca saberemos se melhor ou pior, mas certamente diferente”, lê-se ainda na obra na qual falou ainda de dois dos episódios mais marcantes da sua vida: o cancro que lhe diagnosticaram em 2003 e a morte da sua mãe no início de 2013.
“A primeira vez em que Jorge Coelho apareceu numa lista de ministeriáveis foi cerca de vinte anos antes de efectivamente entrar no Governo”, escreve Fernando Esteves. Foi quando o comandante Costa Correia, director-geral do STAPE, “decidiu, num momento livre, pegar uma folha A4 e fazer futurologia com os destinos dos membros da sua equipa, distribuindo-lhes pelouros num eventual Executivo em função das suas características pessoais. A Jorge Coelho entregou-lhe a Administração Interna. Justificação apresentada: ‘Tem boas relações com a GNR…’ Duas décadas depois, a realidade encarregar-se-ia de consagrar Costa Correia como um raro visionário.”
O 25 de Abril “apanhou Jorge Coelho no auge do fervor revolucionário”. No próprio dia da revolução foi para o lisboeta Largo do Carmo “aclamar a revolução”. “Militava então nos Comités Comunistas Revolucionários Marxistas Leninistas (CCR-ML), uma estrutura radical de esquerda que surgiu de uma cisão no interior do Partido Comunista Português (PCP). Preconizava um regresso à ‘pureza’ dos ideais revolucionários, alegadamente conspurcados pelo PCP, um ‘covil de traidores e revisionistas’”.
No mesmo livro, lê-se ainda, logo no início, que quando, em Julho de 2008, o autor informou Jorge Coelho de que se preparava para escrever a sua biografia, respondeu-lhe com uma interrogação: “Uma biografia sobre mim, por que motivo? Não tenho importância para isso, meu caro amigo!”. Se havia coisas de que gostava era “de estar com amigos”, como chegou a dizer numa entrevista ao PÚBLICO, e ria-se “muitas vezes, muitas vezes” de si próprio, até “das gaffes" que cometia. com Mariana Oliveira
Notícia alterada: depois de inicialmente ter sido avançado que Jorge Coelho teria morrido de acidente de viação, essa informação foi corrigida para morte súbita.