Impacto da pandemia: houve menos 21% de órgãos transplantados no ano passado

Apesar da taxa de utilização ter sido superior no ano passado em relação a 2019, não foi suficiente para eliminar a quebra no número de dadores.

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rui Gaudencio

A pandemia provocou uma quebra no número de órgãos transplantados. Apesar da taxa de utilização ter sido superior no ano passado em relação a 2019, não foi suficiente para eliminar a quebra no número de dadores. No ano passado transplantaram-se 696 órgãos, menos 183 que no ano anterior. Rim e fígado registaram as maiores quebras, enquanto os transplantes de coração e pâncreas registaram ligeiros acréscimos. No final do ano passado, 2196 doentes aguardavam por um transplante.

O relatório do Instituto Português do Sangue e Transplantação (IPST), divulgado esta segunda-feira, dá conta de uma redução de 21% no número de órgãos transplantados em comparação com 2019. “Este foi o verdadeiro impacto da covid-19 na transplantação”, sinaliza o documento, que refere que este impacto se sentiu “na redução da referenciação, na redução do número de dadores e na redução da colheita e do transplante de órgãos, tecidos e células”.

A chegada dos primeiros casos de SARS-CoV-2, a declaração do primeiro estado de emergência e o aumento de casos no final do ano inverteram a tendência positiva dos dois primeiros meses de 2020. “A actividade de colheita e transplantação de dador falecido, que se encontrava em ascensão, sofreu uma queda grande inicialmente voltando a subir inversamente ao nível de contingência epidemiológica. Alcançou o pico máximo em Outubro, superior ao do período homólogo do ano anterior, voltando a descer com o inicio da segunda vaga”, refere o documento. Registaram-se 253 dadores falecidos até Dezembro de 2020, menos 94 do que em 2019. A mediana de idades também desceu, passando de 61 para 57 anos.

No relatório, a Coordenação Nacional da Transplantação salienta a capacidade de adaptação que os hospitais tiveram ao longo do ano e o esforço das equipas para atenuar os efeitos da pandemia, visível no aumento da taxa de utilização de órgãos de dadores falecidos. Dos 750 órgãos colhidos (menos 197 que em 2019), foram transplantados 651, o que resulta em 87% de utilização. No ano anterior a taxa de utilização foi de 84%. Foi visível também no quarto lugar a nível mundial que Portugal conseguiu na taxa de dadores falecidos por milhão de habitantes.

Também o número de dadores vivos registou uma diminuição em relação a 2019, neste caso de 46%. No ano passado houve 45, enquanto no ano anterior foram 83. “Tratando-se de cirurgias electivas, este facto deveu-se por um lado às contingências impostas pela pandemia e por outro provavelmente pelo medo dos dadores da possível falta de segurança quanto à transmissão do SARS-CoV-2 em meio hospitalar”, lê-se no relatório.

Aguardar por um transplante

A maior redução, em relação a 2019, de órgãos transplantados foi no rim e no fígado de 514 e de 240 para 378 e 193, respectivamente. No pulmão, a quebra foi mais ligeira, passando de 71 órgãos transplantados para 65. Já no pâncreas e no coração, o número de órgãos transplantados registou um ligeiro acréscimo. No pâncreas foram transplantados 27 órgãos (em 2019 foram 25) e no coração 33, mais quatro que no ano anterior.

O relatório destaca ainda o facto de em plena pandemia, o país ter realizado um transplante renal duplo a 18 de Fevereiro e um quádruplo a 18 de Agosto, o que permitiu tratar seis doentes que estavam em lista de espera. E as boas notícias continuam, já que se realizou também o primeiro transplante renal cruzado internacional entre Portugal e Espanha. “Este cruzamento entre um par do Centro Hospitalar Universitário de Porto e um hospital de Barcelona, realizou-se com sucesso a 12 de Março, tendo os órgãos sido transportados pela Força Aérea Portuguesa”, lê-se no documento.

No final do ano passado, de acordo com os dados disponíveis, 2196 doentes aguardavam por um transplante. Destes, 1951 aguardavam por um transplante de rim, 118 por fígado, 64 por pulmão, 34 por coração e 29 por pâncreas. Em comparação com 2019, a lista de doentes a aguardar por um órgão era menor (2215 doentes em espera), o que poderá reflectir a menor referenciação de doentes que o relatório aponta.

Durante o ano passado, morreram 71 doentes enquanto esperavam por um órgão, mais 24 do que os registados em 2019. A coordenadora nacional Margarida Ivo da Silva disse ao PÚBLICO o que já tinha tinha referido em Julho do ano passado à TSF, que “foram asseguradas todas as intervenções emergentes”. A médica lembrou que estes são doentes com “muitas fragilidades” provocadas pelas próprias doenças. A titulo de exemplo, em 2018 morreram 76 pessoas à espera de um órgão.

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