Supremo recusa repetição do julgamento de Rosa Grilo e mantém pena de 25 anos
Condenação de amantes à pena máxima mantém-se. Advogada da viúva e antigo inspector da Polícia Judiciária são arguidos num processo paralelo ao homicídio, por alegadamente terem plantado balas no local do crime.
O Supremo Tribunal de Justiça recusou esta quinta-feira o pedido para mandar repetir o julgamento de Rosa Grilo, condenada pelo homicídio do marido a 25 anos de cadeia. O processo não termina, porém, aqui: a defesa da viúva planeia apresentar um recurso extraordinário neste mesmo tribunal e apelar também para o Tribunal Constitucional.
Na base do pedido de repetição do julgamento está, entre outras coisas, o alegado surgimento de novas provas na casa onde morava o casal e se deu o crime no Verão de 2018, nas Cachoeiras, concelho de Vila Franca de Xira, em especial os restos de uma bala disparada contra a banheira na casa de banho da residência e dois invólucros. A descoberta deu-se em Fevereiro de 2020, pouco antes da condenação, e incluiu ainda o surgimento de invólucros de dois projécteis num guarda-jóias e numa gaveta de uma cómoda no quarto do casal.
Mas a Polícia Judiciária considera que as provas foram plantadas pela advogada da viúva do triatleta, Tânia Reis, e pelo consultor desta última, um antigo inspector daquela força policial que já cumpriu cadeia por corrupção, João Sousa. Quer o ex-inspector quer a advogada Tânia Reis foram, por isso, acusados esta semana num processo paralelo ao do homicídio, pelos crimes de simulação de crime, detenção de arma proibida e favorecimento pessoal.
Segundo a acusação, advogada e consultor apoderaram-se, “de forma não concretamente apurada”, dos dois invólucros dos projécteis provenientes de munições já deflagradas e ainda de dois fragmentos de bala. Tudo material proveniente da arma do amante de Rosa Grilo, o funcionário judicial António Joaquim, absolvido em primeira instância do homicídio mas condenado a seguir pelo Tribunal da Relação de Lisboa também a 25 anos de cadeia. Segundo o Ministério Público, Tânia Reis e João Sousa “gizaram um plano para alterar o rumo do julgamento” e distribuíram estas provas forjadas pela casa. Depois chamaram a GNR e a comunicação social.
Nas buscas que havia feito à casa dois anos antes, em Setembro e Outubro de 2018, a Polícia Judiciária não tinha deparado com estes vestígios – segundo alegou a defesa de Rosa Grilo, por incompetência.
Para Tânia Reis, quer a sentença do tribunal de Loures, onde houve jurados, quer a do Tribunal da Relação de Lisboa, deviam ter sido consideradas nulas. Por não terem levado em conta estes novos indícios, mas também por os indícios existentes permitirem, no seu entender, levantar uma dúvida razoável sobre a culpabilidade da viúva. A advogada invocou o princípio in dubio pro reo – em caso de dúvida o réu deve ser absolvido. “Não se sabe quem fez o quê e como”, argumentou no Supremo Tribunal de Justiça.
A procuradora-geral do Ministério Público que analisou o caso neste tribunal, Natália Lima, considerou, porém, que as inconstitucionalidades apontadas pela defesa de Rosa Grilo sem fundamento.
No acórdão que proferiram esta quinta-feira, os juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça explicam que estavam impedidos de aumentar a indemnização de 42 mil euros fixada em primeira instância para o filho do casal, Renato Grilo, de 15 anos, uma vez que este não recorreu da compensação decretada pelo Tribunal de Loures. O jovem havia alegado, através do seu advogado, que só o dano da perda do direito à vida do pai deveria ter sido calculado entre 70 e 80 mil euros.
O Supremo recorda que o Tribunal da Relação não teve dúvidas no momento de fixar os factos ocorridos que deram Rosa Grilo e António Joaquim “como co-autores dos crimes”. E cita parte da decisão dos desembargadores que sumariza esses factos: “Não sendo minimamente credível a história contada pela arguida Rosa sobre a intervenção dos ditos ‘angolanos’ na morte do Luís Grilo, nem a versão daquela no sentido de que retirou a arma e a recolocou na casa do arguido António Joaquim sem conhecimento deste, as provas são demonstrativas de que teve intervenção nessa morte – desde logo, com base nas suas próprias declarações, ao admitir ter estado presente quando tal ocorreu e (...) sabendo-se que procedeu posteriormente a uma limpeza profunda, removendo quaisquer indícios comprometedores que pudessem existir na casa e eventualmente na viatura automóvel”. E ainda que “teve ajuda de outra pessoa, mais resultando que foi usada, para o efeito, a arma apreendida que se encontrava na casa do arguido António Joaquim, aí sendo encontrada também uma munição igual à usada no disparo que causou a morte, apesar da enorme raridade de tal tipo de munições, conforme assinalado pelo perito em balística”.
Assim, tanto para a Relação assim como para o Supremo, “todas as circunstâncias, conjugadas entre si, demonstram, com toda a evidência, que essa outra pessoa que colaborou com Rosa Grilo para tirar a vida do Luís Grilo e ajudou aquela a desfazer-se do corpo da vítima só podia ter sido o arguido António Joaquim, que forneceu os instrumentos do crime – arma e munições – e tinha com aquela uma relação amorosa duradoura – o que afasta a intervenção de alguém estranho a essa relação –, ambos pensando continuar a vida em comum após a morte da vítima e beneficiando com tal morte, dados os seguros de que aquela era beneficiária”.
Também na questão da prova, nomeadamente na arma utilizada para matar o triatleta, o Supremo acompanha as conclusões da Relação: que Rosa Grilo, “apesar de algumas deambulações e hesitações na procura de uma versão que tivesse alguma credibilidade e não comprometesse o co-arguido António Joaquim, acabou por fornecer outro dado muito relevante (...) : a arma utilizada para matar o Luís Grilo foi a indicada na acusação, identificada, nomeadamente, nos factos provados como instrumento do crime, a qual era propriedade daquele arguido e foi encontrada na residência deste”.
Aliás, lê-se no acórdão que, “se assim não fosse, não haveria qualquer justificação para aquela arguida sentir necessidade de “explicar” como a aludida arma saiu de casa do arguido António Joaquim sem o seu conhecimento, serviu para matar o Luís Grilo e voltou a ser colocada no local original de onde havia sido retirada, sendo certo que, complementarmente, foi explicado pelo senhor perito na área de balística (Dr. Pedro Mora) que existia compatibilidade entre a aludida arma e o projéctil retirado do crânio da vítima, apesar de o interior do respectivo cano ter sido danificado, química e mecanicamente, o que impediu o estabelecimento de uma correlação inequívoca de que tal aludido projéctil foi disparado pela arma em causa”.
Acresce que também foi “encontrado na casa do arguido um outro projéctil idêntico ao que causou a morte, apesar da extrema raridade de tal tipo de projéctil. Razão por que, contrariamente ao mencionado pela recorrente Rosa Grilo, a decisão recorrida não contraria o resultado da perícia à arma e munição encontrada no corpo da vítima, antes havendo compatibilidade entre ambas, face aos esclarecimentos do respectivo perito”. Portanto, não há duvida que a arma usada pertencia a António Joaquim.