Forretas extremos

Talvez a forretice seja uma espécie de característica inata: uma das somíticas gabava-se de ser a terceira da sua geração, que sempre foi assim na sua família, orgulhavam-se de mobilar casas inteiras com materiais obtidos exclusivamente no lixo

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Annie Spratt/Unsplash

Há tempos deparei-me com um programa televisivo norte-americano que dava a conhecer forretas, mas não uns sovinas quaisquer; tratavam-se de avarentos extremos, e com orgulho evidente nisso. A forretice de alguns dos participantes fazia com que o Tio Patinhas parecesse um menino de coro esbanjador. Nunca fui forreta, pelo contrário, gosto de gastar. Embora não me considere uma perdulária, gosto de empregar naquilo que me dá prazer o dinheiro que ganho a trabalhar. Acho que o dinheiro existe para ser gasto.

Descobri aquele programa durante a hora de jantar – tenho maus hábitos, confere. Para mim, a hora de jantar foi feita para ver televisão estilo lixo, permitindo ao cérebro vegetar em absoluto, limitando-se a dar ordens ao corpo para respirar, levar a colher à boca e engolir. Os primeiros exemplares da espécie extrema de forretas que pude ver: um casal heterossexual. A parelha tomava banho em conjunto, com um temporizador para três minutos, e partilhava o frasco de champô que durava mais de seis meses. Durante o episódio mostraram também, orgulhosos, como partilhavam a mesma lâmina de barbear: a senhora depilou as axilas para mostrar que era a sério, e seguiu-se a raspadela de bigode do companheiro. Outros utensílios também eram partilhados: a fita dentária, por exemplo. Novamente, primeiro a senhora, dente por dente — alto lá!, são forretas, mas cumprem as regras do cavalheirismo arcaico — e depois, a mesma fita suja era utilizada para limpar a cremalheira do macho. Assisti a este momento cada vez mais perplexa e um pouco enojada, afinal estavam a fazer aquilo durante a minha hora de jantar.

Concluindo, fiquei adicta do dito programa. Sou obcecada por coisas bizarras e que me intrigam verdadeiramente. Noutro programa, um homem com cerca de 40 anos vivia numa mansão totalmente forrada a película aderente e gozava dos hábitos mais bizarros ever. Lavava a roupa no jacuzzi, mas só quando já cheirava mal. Quando a considerava moderadamente suja — vá-se lá saber o que isto é —, colocava-a no frigorífico. Aprendi que o frio do frigorífico, além de eliminar bactérias, contribui para gastar menos energia. Aprendi que um frigorífico vazio gasta mais, e que se pode fazer um estendal de roupa dentro do carro, por cima dos bancos de trás, e secá-la ao vento a caminho do escritório. Conheci ainda uma mãe que aspirava a casa a partir da meia-noite – por ser mais barato, claro –, mesmo a alcatifa dos quartos dos filhos adormecidos, ou despertos graças ao estardalhaço da forreta da progenitora.

Pelo que tenho assistido, não há limites para estes forretas. Poupam o dinheiro, mas não poupam aqueles que têm a pouca sorte de partilhar o tecto com eles. Vale tudo. Um dos casos mais interessantes era o de um senhor que morava na própria oficina de automóveis. Dormia dentro dos carros que ficavam para arranjar e, para si, uma noite na suite era quando calhava alguém deixar uma carrinha para reparar. Podia dormir à grande e à francesa. Tomava banho num alguidar e depois usava a água para lavar os automóveis, que ficavam um brinco. Também descobri que limpar vidros com um penso higiénico funciona e é mais barato do que comprar artigos especificamente concebidos para o fazer. Pensos higiénicos antes de serem usados, atenção, também há limites para esta gente. Não que eu pretenda experimentar a técnica de limpeza criada pelo mecânico sovina, mas é cultura geral, pronto.

Agora, aquilo que me encanita é o porquê desta gente viver tão mal. Vê-se que a maioria tem bons salários e que não carece sequer de fazer poupanças. É incrível observar a alegria que sentem quando poupam uns cêntimos à custa de tanto desconforto. Para os próprios vê-se que lhes é natural e que vivem sem sofrimento, mas dá dó ver os que lhes são próximos a viver naquele desconsolo. Talvez a forretice seja uma espécie de característica inata: uma das somíticas gabava-se de ser a terceira da sua geração, que sempre foi assim na sua família, orgulhavam-se de mobilar casas inteiras com materiais obtidos exclusivamente no lixo. Gabava-se até de ter encontrado no lixo uma bomba de leite para alimentar o futuro filho ainda na barriga. “Bem desinfectadinho, está óptimo.” Aos olhos daquela futura mamã, e se tudo correr bem, talvez venha aí uma quarta geração de forretas na família. Já eu gasto tudo o que tenho com a minha filha e gosto que seja novo, que se lixe. Bem sei que a avareza pode ser um manifesto pessoal anticapitalista, mas não me parece que os sovinas tenham um sentido político para a forma como vivem. Aquilo é só apego extremo ao dinheiro, incapacidade de descontrair e falta de generosidade extremas.

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