Clofazimina, medicamento contra a lepra, mostrou-se eficaz contra a covid-19
“É um medicamento seguro, acessível, fácil de fabricar, pode tomar-se por via oral e pode distribuir-se de forma global”, descreve um dos autores do estudo publicado na Nature. Todas estas características fazem da clofazimina “a candidata ideal para tratar a covid-19”.
Já é usada pelo menos desde os anos 60 na luta contra a lepra, mas há evidências que levam a crer que o uso da clofazimina não se fica por aí e que pode ser útil no tratamento de vários coronavírus, incluindo o SARS-CoV-2, indica um estudo publicado na revista científica Nature na passada terça-feira.
Há vários meses que uma equipa composta por médicos nos EUA e em Hong Kong procurava encontrar um fármaco para o tratamento da covid-19, a juntar aos três que já são usados nos hospitais. Reviram quase 12.000 medicamentos (já em uso no tratamento de outras doenças) até se cruzarem com a clofazimina, que se destacou pelos seus resultados em células humanas in vitro e em ratinhos infectados com SARS-CoV-2. E, face aos resultados, os especialistas querem experimentar o mais depressa possível em pessoas infectadas.
“Os nossos dados oferecem algumas evidências de que a clofazimina pode ter um papel no controlo da pandemia actual de SARS-CoV-2 e, ainda mais importante, de coronavírus que possam surgir no futuro”, lê-se na introdução do estudo.
No tratamento da covid-19 já são usados pelo menos três fármacos em todo o mundo. A dexametasona, que reduz a mortalidade dos doentes mais graves em 17%, e que, quando administrada em conjunto com o tocilizumab, pensado para tratar a artrite reumatóide, pode salvar uma pessoa em cada dois doentes graves. O terceiro fármaco usado é o remdesivir, que acelera o tempo de recuperação de alguns indivíduos hospitalizados.
A clofazimina apresenta uma vantagem face a esses medicamentos: pode tomar-se por via oral e não venosa, o que permite que seja tomada em casa e não obriga à hospitalização. É, também, um tratamento barato. De acordo com o El País, uma dose diária do medicamento vendido com o nome Lamprene tem o preço de 1,5 euros.
Tudo isto faz com que esta substância seja “a candidata ideal para tratar a covid-19”, resume Sumit Chanda, imunologista do instituto de investigação médica de Sanford Burnham Prebys, nos EUA, e um dos autores do estudo. “É um medicamento seguro, acessível, fácil de fabricar, pode tomar-se por via oral e pode distribuir-se de forma global”, acrescenta o investigador. “Esperamos poder experimentar este fármaco num ensaio de fase 2 com pessoas que se infectaram com o SARS-CoV-2, mas que não foram hospitalizadas”, cita o comunicado de imprensa.
Como funciona?
Este medicamento tem propriedades antibióticas e anti-inflamatórias, que são as mais interessantes no caso do tratamento da covid-19. Os estudos que já existem mostraram que este fármaco combate o vírus de duas formas diferentes: bloqueia a sua entrada nas células e, no caso de o vírus já ter entrado, impede o processo de reprodução do vírus, impossibilitando que faça cópias de si mesmo.
A utilização da clofazimina com o remdesivir pode aumentar o potencial de cura, indica o mesmo estudo. Num ensaio in vitro, a combinação dos dois medicamentos fez com que fosse necessária uma menor quantidade de remdesivir para “inibir a replicação viral em 90%”, lê-se no estudo.
“Este fármaco usa-se contra a lepra porque esta doença, para além da infecção por uma bactéria, produz uma componente inflamatória que acaba por causar as deformações na cara e nos membros que conhecemos”, explica Jesus Sierra, coordenador do registo da Sociedade Espanhola de Farmácia Hospitalar ao El País. É possível que seja essa propriedade que está a ter efeitos contra a covid-19, impedindo a reacção inflamatória grave que caracteriza a infecção pelo SARS-CoV-2.
Este medicamento foi descrito pela primeira vez nos anos 1950, mas só começou a ser usado de forma regular quase uma década mais tarde, quando houve provas de que era eficaz contra a lepra. A patente deste medicamento pertence à Novartis, mas foi cedida à Organização Mundial da Saúde, que controla a quase 100% a distribuição deste fármaco, para o tratamento da lepra. Considerado pela OMS como um dos “medicamentos essenciais”, a organização acredita que será possível erradicar a lepra com recurso à clofazimina — mas esse objectivo pode ficar em risco se passar a ser usada para outros fins.