Suspensão da vacina da AstraZeneca alimenta “falta de confiança” da população

Hélder Mota-Filipe afirma que o “ambiente de suspeição” que se criou à volta da vacina não é “fundamentado do ponto de vista científico”.

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Hélder Mota-Filipe DR

O especialista em Ciências Farmacêuticas Hélder Mota-Filipe alertou esta terça-feira que a suspensão da vacina da AstraZeneca cria um ambiente de falta de confiança na população difícil de reconstruir, pondo-se em causa “mais uma arma fundamental” no combate à pandemia.

Portugal suspendeu na segunda-feira a administração desta vacina, depois de a Dinamarca, Bulgária, Noruega, Países Baixos, Islândia, Irlanda, Alemanha, França, Espanha, Itália e Eslovénia o terem feito.

Os países invocaram o princípio da precaução após terem sido conhecidos casos de reacções adversas depois da administração da vacina, que vão desde graves reacções alérgicas até episódios de tromboses, provocados por coágulos.

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Vacina da AstraZeneca/Universidade de Oxford REUTERS

O presidente do Conselho para a Cooperação da Ordem dos Farmacêuticos afirmou que “este tipo de atitudes de suspensão, da suspeita sobre a vacina, cria um ambiente de falta de confiança por parte da população”. “Se nós começamos a criar um ambiente de suspeição, ainda por cima não fundamentado do ponto de vista científico, estamos a destruir esse potencial que é o único que temos neste momento que é a vacinação”, advertiu Hélder Mota-Filipe.

Mesmo que se chegue à conclusão que não há ligação entre “uma coisa e outra, vai ser difícil construir novamente confiança para a utilização desta vacina na população em geral e isso é compreensível”, sustentou o antigo presidente do Infarmed.

Mota-Filipe notou que “não há nenhum medicamento que seja isento de efeitos adversos” e neste caso está a falar-se “apenas num potencial de efeito adverso que é muito, muito, muito raro”. “O que se está a fazer com este “tipo de medidas muito reactivas é destruir o potencial que uma vacina pode ter relativamente a uma suspeita de risco que é muito, muito, muito residual”.

Questionado se a decisão de Portugal foi precipitada, o especialista afirmou que “não tinha alternativa”, tendo em conta como as coisas se foram resolvendo. “Acho que é pouco sustentada do ponto de vista científico e isto remete muito para a componente política da decisão: quando (...) há um problema [na Europa], em vez de se tomar uma decisão central para todos, os países começam a tomar decisões unilaterais”, criticou.

Segundo a opinião do especialista, quando de tratam de questões relacionadas com a percepção do risco à saúde pública e quando há países que começam a tomar, este tipo de atitudes “é muito difícil” para os outros países justificarem às suas populações não tomarem medidas iguais, embora não haja razão científica para isso.

“Portanto, neste momento eu penso que todos os países vão tomar esta atitude por uma questão de efeito dominó em termos de percepção da segurança quando até agora do ponto de vista científico não há razão nenhuma para essa suspensão”, salientou.

Em dezenas de milhões de pessoas vacinadas há suspeita de cerca de 30 ou 40 casos destas reacções adversas e, portanto, “o risco de se poder ter um destes fenómenos é largamente compensado pelo benefício que a vacina tem em termos de protecção contra as mortes por covid-19”.