Migrações – o maior desafio da dimensão externa da política europeia
O difícil equilíbrio entre responsabilidade e solidariedade partilhadas constitui o maior desafio da nossa Presidência na área dos Assuntos Internos, que iremos enfrentar com o capital político da nossa coerência e nos permite ter um diálogo construtivo com os países do Sul da Europa e com o grupo de Visegrado.
Realiza-se hoje, por iniciativa da Presidência Portuguesa, um Conselho Europeu em formato original e com um tema jamais abordado nesta dimensão. Em formato Jumbo, 54 Ministros dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna vão discutir com a Comissão Europeia a dimensão externa das migrações.
Portugal, país com uma secular tradição migratória e hoje um exemplo reconhecido de capacidade de integração de migrantes nas últimas décadas (temos mais de 650 mil cidadãos residentes estrangeiros e cerca de 600 mil pessoas naturalizaram-se como portugueses desde a alteração da Lei da Nacionalidade de 2007), está numa posição única para liderar este debate europeu.
Uma Europa envelhecida tem de, simultaneamente, garantir a segurança das suas fronteiras comuns e ter uma estratégia de longo prazo de gestão dos fluxos migratórios, sobretudo na relação com o continente mais jovem, a nossa vizinha África. Daí Portugal ter apresentado a proposta de uma parceria com os países do norte de África nos domínios das migrações, da cooperação policial, da proteção civil e da defesa dos direitos humanos que mereceu um apoio caloroso no Conselho JAI (Justiça e Assuntos Internos) da semana passada.
O Pacto Europeu sobre Migração e Asilo constitui um dos temas mais complexos da agenda europeia que a Presidência Portuguesa tem conduzido com um grande empenho no plano técnico, que regista progressos muito significativos e uma concentração da ação política em três pontos centrais – dimensão externa das migrações, responsabilidade comum pela gestão das fronteiras externas e solidariedade com os países do Mediterrâneo mais atingidos pela pressão migratória.
O difícil equilíbrio entre responsabilidade e solidariedade partilhadas constitui o maior desafio da nossa Presidência na área dos Assuntos Internos, que iremos enfrentar com o capital político da nossa coerência e nos permite ter um diálogo construtivo com os países do Sul da Europa e com o grupo de Visegrado.
Hoje está adquirido que a gestão de procedimentos de fronteira, a dignidade nos campos de refugiados ou o novo mandato da Frontex como Guarda Costeira Europeia (combatendo o tráfico de seres humanos com respeito pelos direitos fundamentais) são responsabilidade comum europeia. Igualmente, o acolhimento de refugiados e migrantes exige solidariedade europeia que deve ser obrigatória, ainda que exercida em modalidades flexíveis.
A dimensão externa das migrações permitiu reunir um consenso muito alargado entre os Estados-membros em articulação com a parceria renovada com a vizinhança meridional, a chamada nova Agenda para o Mediterrâneo, apresentada em fevereiro pela Comissão Europeia.
A questão essencial é a de assumir a gestão dos fluxos migratórios com os países vizinhos não como uma crise, como aquela a que a Europa impreparada respondeu de forma caótica em 2015, mas como fenómeno natural que deve ser planeado, gerido e acompanhado por um espaço de 450 milhões de cidadãos de forma ordeira, legal e segura.
As relações com os países de origem e de trânsito dos migrantes devem ser desenvolvidas com uma visão de longo prazo e benefícios mútuos. Se a segurança das fronteiras comuns europeias e o combate às redes de tráfico de seres humanos que abusam dos mais frágeis são um desafio comum, não é realista reduzir o debate com os países vizinhos a uma dimensão securitária e à exigência de cooperação na readmissão de migrantes irregulares.
A cooperação externa deve assentar numa visão de banda larga que incorpore a cooperação para o desenvolvimento (apoios à alfabetização e educação igualitária de raparigas ou vacinação contra a Covid-19 são exemplos óbvios), o apoio ao controlo das migrações irregulares nos países de origem e de trânsito, a criação de parcerias no combate ao tráfico de pessoas e na repressão das redes organizadas e uma política transparente de concessão de asilo e de retorno à origem de migrantes irregulares.
A abertura de programas ordenados de migração legal, de que a conclusão da discussão da diretiva Blue Card durante a Presidência Portuguesa poderá ser um bom exemplo, através de acordos de mobilidade bilaterais ou a nível europeu, a criação de programas de captação de talentos, a estabilidade e transparência no recrutamento de trabalhadores temporários ou sazonais para atividades em que a Europa pós-pandemia será novamente carente de mão-de-obra, são alternativas construtivas à imigração ilegal, dando credibilidade reforçada ao combate às redes que vivem da miséria, da guerra e da venda do “sonho europeu”.
A articulação no quadro financeiro 2021/27 entre os fundos para as políticas de cooperação e desenvolvimento e os destinados às migrações e asilo permitirá o estabelecimento de parcerias dinâmicas e construtivas com os países vizinhos, sobretudo os do Mediterrâneo e da África Ocidental, que poderão associar a gestão das migrações à defesa da segurança comum, ao combate ao terrorismo e a fenómenos de radicalização e à promoção dos direitos humanos. A gestão de incentivos como a migração legal ou a flexibilização de vistos são instrumentos ativos de uma cooperação que não pode ser reduzida à exigência da aceitação de retornos.
É essencial articular a dimensão europeia da política de migrações com a prioridade dada à relação com o norte de África e ao estabelecimento de um espaço de mobilidade na área da lusofonia. A relação com os países do Magrebe é fundamental para o reforço do nosso papel estratégico na frente sul da Europa, tal como na promoção de relações económicas privilegiadas nos domínios da energia, do turismo ou da segurança.
A estabilidade política e o crescimento económico da vizinhança sul, associados a uma evolução demográfica e migratória estabilizadas, são essenciais para uma Europa que teve a sua origem no Mediterrâneo. Mais ainda para um país com centenas de anos de presença e forte influência linguística árabe, um povo migrante ao longo de séculos e que tem a maior fronteira marítima da União Europeia.