Desconfinamento: a impossível tarefa de agradar

Não é o plano perfeito. É o plano possível. Um plano que se quis ponderado, que permita a gestão cautelosa da pandemia, mas que busca com fervor algum regresso à vida social e laboral, restaurando parte da saúde económica e mental que tanto se fragilizaram no último ano. Por fim, a proposta foi ainda alvo do escrutínio político, que a moldará nos seus contornos definitivos e que a adequará à realidade do país.

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Governo apresenta esta quinta-feira plano de desconfinamento

Planear o desconfinamento para um país é tarefa complexa e exigente. Trata-se de prever a regulação de variadíssimos setores de atividade; de conseguir um nível razoável de coerência no levantamento das medidas aplicadas a cada um; e de considerar critérios epidemiológicos, mas também sociais, culturais, psicológicos e económicos. Uma coisa é certa: nunca satisfará cabalmente, em parte porque estamos num daqueles momentos da nossa vida em que não há boas soluções - há soluções possíveis. O que quer que decidamos fazer, vai sempre ter penosos efeitos colaterais e aquilo que a covid-19  faz é impor-nos a escolha pelos que estamos capazes de enfrentar.

A proposta de desconfinamento apresentada pela equipa liderada por Raquel Duarte e Óscar Felgueiras (à qual pertencemos) lançou-se a esse desafio na tentativa de integrar essa complexidade e de lhe dar uma resposta tão capaz quanto possível. Neste texto partilhamos o essencial do percurso feito por esta equipa multidisciplinar no desenho do plano.

O conhecimento científico tem um lugar de destaque na forma como concebemos as políticas públicas na contemporaneidade, mas não é, nem deve ser, o único a considerar, sobretudo quando é ainda lacunar e insipiente. Por isso, este plano baseou-se naquilo que nos ensinaram as ciências (sociais e da saúde) até agora; na experiência profissional dos elementos da equipa; e ainda nos contributos da comunidade, tomada em sentido lato.

Num primeiro momento, fez-se o levantamento de todas as dimensões que pretendíamos ter em conta. Foram muitas e baseadas no que se tem feito em Portugal e noutros países. Resumidamente, cruzámos mais de 19 setores de atividade e respetivas medidas restritivas, com um total de 12 fatores psicossociais e sanitários a ter em conta. Por exemplo, para cada atividade, foram considerados o risco de desrespeito pelas regras de prevenção da covid-19; os setores sociais mais envolvidos (respetivos escalões etários e grau relativo de imunização pelo processo de vacinação); e potencial de aglomeração. Para o levantamento das medidas restritivas em cada setor de atividade foram, por exemplo, considerados o seu efeito na progressão da pandemia; impacto económico; impacto social; impacto na saúde mental; e potencial recetividade da população.

O passo seguinte foi a pesquisa exaustiva da literatura científica disponível quanto a todas estas dimensões. Foram analisados 96 trabalhos científicos e vários elementos noticiosos (para, p.ex., ilustrar o risco associado a determinadas atividades). Com base nesta informação e na experiência profissional da equipa, foi consensualizada a priorização do desconfinamento nas várias áreas.

Em paralelo, foram matematicamente definidos os indicadores e patamares de risco epidemiológico que orientariam o processo de desconfinamento.

Posteriormente, avançámos para um processo alargado de auscultação comunitária feita a três níveis: 1. questionários aplicados a peritos de diversas áreas (saúde pública, saúde mental, sociologia, comunicação, economia, direito, educação, religião, etc); 2. entrevistas feitas a um universo heterogéneo de “consultores comunitários”, sendo dada particular atenção a públicos vulnerabilizados como pessoas em situação de sem-abrigo; 3 - análise de notícias e artigos de opinião publicados aquando das primeiras revelações acerca do plano. Esta auscultação foi bastante consonante com a proposta que estava desenhada e o seu resultado foi nela integrado.

A leitura desta descrição poderá ter sido fatigante, mas pelas melhores razões: porque foi feito um trabalho intensivo e exaustivo de sustentação técnica, experiencial e comunitária do plano. E foi um trabalho multidisciplinar e participativo que traduziu a vontade genuína de acomodar as várias e legítimas preocupações sociossanitárias, triangulando fontes e saberes.

Não é o plano perfeito. É o plano possível. Um plano que se quis ponderado, que permita a gestão cautelosa da pandemia, mas que busque com fervor algum regresso à vida social e laboral, restaurando parte da saúde económica e mental que tanto se fragilizaram no último ano. Por fim, a proposta foi ainda alvo do escrutínio político, que a moldará nos seus contornos definitivos e que a adequará à realidade do país.

As autoras escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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