Portugal vai desconfinar-se, mas há países com aumento de casos — que pistas se podem tirar?
Antes de iniciar o desconfinamento, Portugal deve garantir que todas as condições de controlo da propagação do vírus estão reunidas, diz o especialista Tiago Correia, professor de Saúde Internacional e investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT).
Num momento em que a população portuguesa está a poucos dias de conhecer o plano de desconfinamento, há países europeus a registar um aumento no número diário de contágios. Tendo em conta os dados do site Our World in Data, alguns deles podem mesmo estar a entrar numa nova vaga da pandemia. Que pistas poderá a comparação internacional dar para o caso português e a possibilidade de uma nova vaga da pandemia no país? O PÚBLICO procurou perceber a resposta junto de Tiago Correia, professor de Saúde Internacional e investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT).
Apesar de em Portugal (que esta terça-feira registava 77,1 casos por milhão de habitantes numa média móvel a sete dias) se notar uma queda no número de contágios diários, pelo contrário, países como Itália (com 337,9), França (326,6), Brasil (312,3), Bulgária (281,2) ou a Alemanha (99,3) têm reportado uma tendência diferente, com a média móvel a sete dias de novos casos a aumentar nos últimos dias. No topo da tabela de países com mais contágios por milhão de habitantes estão a República Checa (com 1137,1) e a Estónia (1028,9).
No que à comparação internacional diz respeito, Tiago Correia indica que “os contágios aumentam assim que as restrições de mobilidade diminuem”. Contudo, apesar da tendência, “aquilo que são critérios [de desconfinamento] adequados num país pode não o ser noutro país.” “Há países que têm conseguido manter uma certa mobilidade das pessoas, uma certa normalidade, e controlar os contágios”, refere, dando o exemplo da Nova Zelândia, com a política de contágio zero.
Pode haver mais casos, mas menos mortes e internamentos
Segundo o especialista, pelo facto de Portugal não estar ainda numa fase de aumento de contágios, como é o caso dos países já referidos, “a expectativa é que, a acontecer, haja um aumento muito gradual”. “Não tenho a certeza de que Portugal siga a tendência linear [das anteriores vagas], espero que não aconteça, porque, se acontecer, significa que há um descontrolo imediato da propagação do vírus na comunidade.” Tiago Correia coloca a vacinação da população mais vulnerável, que espera estar concluída em pouco mais de um mês, como a razão para a mudança de paradigma. Aliás, esse factor, diz, abre a porta a uma nova discussão: sobre a imunidade de grupo.
“É expectável que, com a população mais vulnerável vacinada, o número de casos possa aumentar sem que aumentem necessariamente os internamentos e os óbitos”. Nesse sentido, o especialista propõe uma discussão no país tendo em conta as mudanças que a vacinação comporta. “Vamos deixar que as pessoas se vão contagiando? Justifica-se manter níveis de restrição da mobilidade das pessoas perante uma doença que já não vai matar tanto e que já não vai criar tanta pressão sobre os sistemas de saúde?”, questiona.
Para o investigador, Portugal pode agora tomar como exemplo outros países que já estão mais avançados na vacinação, como Israel e o Reino Unido. “Para já, esses exemplos significam que as vacinas nos permitem retomar alguma normalidade. Não sabemos ainda se isto vai ser constante, sobretudo quando se abrirem fronteiras, até por causa das variantes, mas são bons sinais”, indica.
Por isso, tendo em conta os indicadores epidemiológicos (número diário de contágios, mortes e internamentos), Tiago Correia acredita que o momento actual de pandemia em Portugal é o indicado para avançar com um plano de desconfinamento. Porém, antes disso é preciso garantir que estão reunidas todas as condições necessárias, nomeadamente de testagem e de rastreamento epidemiológico, que caracteriza como “pressupostos fundamentais de qualquer desconfinamento”.
“O R(t) [nível de incidência] já não vai baixar mais, pelo contrário, há até indícios de que já esteja a aumentar ligeiramente”, denota Tiago Correia, acrescentando que “não é de esperar que se mantenha um confinamento geral constante durante três meses, é uma ideia irrealista”. O especialista coloca a questão: “Se não nos desconfinarmos agora, qual será o momento ideal?”.
Sobre as medidas de desconfinamento a adoptar, diz que depois de postas em prática se vai perceber se funcionam, tendo em conta que “não há critérios fundamentais e absolutos”. “É uma questão de irmos experimentando e ajustando, se virmos que as coisas não estão a funcionar, podendo voltar atrás”, remata.