Há seis portuguesas na lista das 100 melhores empreendedoras sociais
A Euclid Network revelou, esta segunda-feira, o Top 100 Women In Social Enterprise. A lista distingue mulheres empreendedoras e inovadoras no campo social. Joana Moscoso, criadora da Chaperone, e Mariana Alves, do Cartas Com Ciência, são duas das seis portuguesas premiadas. Hoje assinala-se o Dia Internacional da Mulher.
Do alto dos seus nove anos, depois de um dia de escola, Joana Moscoso anunciou que havia tomado uma decisão muito importante. “Aprendi que existiam bactérias e fiquei fascinada! Decidi que queria ser cientista”, conta. A novidade não foi recebida com o maior dos entusiasmos por quem lhe era próximo, mas Joana, hoje com 35 anos, manteve a convicção e, na universidade, escolheu estudar Biologia. Depois da aventura de anos pela investigação, conjugou esses conhecimentos com outros que foi obtendo pelo caminho (já lá vamos); hoje, é gerente de negócios em Portugal da Smart Separations.
Mariana Alves, 26 anos, não foi tão resoluta. Antes de entrar para a faculdade, estava “muito indecisa” no caminho a seguir. Apesar dos “interesses muitos variados”, entre “a literatura, o teatro ou o jornalismo”, acabou por ingressar em Bioquímica na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, “com a perspectiva utilitarista de contribuir para a sociedade e ter uma missão”. Depois de um mestrado em Copenhaga, na Dinamarca, e de fazer a tese em Cambridge, no Reino Unido, rumou a Heidelberg, na Alemanha, para o doutoramento, que está a terminar.
Joana e Mariana são de locais diferentes — a primeira é natural de Valença; a segunda, de Coimbra — e, ao longo dos seus percursos académicos e profissionais, passaram por países distintos. Cruzam-se, agora (mas não pela primeira vez) na lista Top 100 Women In Social Enterprise da Euclid Network, uma rede apoiada pela Comissão Europeia que distingue empreendedores sociais, divulgada esta segunda-feira, 8 de Março. São duas das seis portuguesas que figuram neste top 100, que também distingue inovadoras sociais. Joana Moreira, directora de operações do Movimento Transformers, Paula Valente, directora executiva e terapeuta da fala e linguagem no Instituto Português da Afasia - IPA, Helena da Silva, directora executiva da Vintage for a Cause, e Isabel Rosado, presidente e co-fundadora da Palhaços d´Opital, são as outras distinguidas.
Para a escolha da centena de empreendedoras e inovadoras sociais, a Euclid Network estabeleceu três critérios: ter “uma posição de liderança” numa organização, “trabalhar no ecossistema do empreendedorismo social no continente europeu” e mostrar “compromisso pessoal, resiliência” e guiarem-se pelo “impacto”. Para além disso, as mulheres distinguidas tiveram, antes, de ser nomeadas por alguém.
Joana foi nomeada por Pedro Resende, 38 anos, pelo trabalho desenvolvido num projecto de ambos: a Chaperone, criada em 2018. É a “primeira plataforma online no mundo especializada em desenvolvimento de carreira para cientistas”. “Não temos psicólogos. A acção da Chaperone é mais preventiva, de modo a ajudar os cientistas a não perderem a sua saúde mental pelo desconforto e descontentamento que muitas vezes sentem no seu dia-a-dia e no desenvolvimento da sua carreira”, explica Joana. Do lado de lá, a ajudar, há consultores que apoiam “no desenvolvimento da carreira” e a “navegar o mercado de trabalho”, providenciando ainda “ferramentas que ajudam a combater o assédio e o bullying” em contexto laboral.
Mas antes do lançamento, lembra Pedro, investigador no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3s) do Porto, os dois passaram um par de anos “a entrevistar diferentes especialistas de carreira”. Tudo para que a Chaperone surgisse com firmeza — o que se concretizou: “Abrimos com mais de 25 consultores. Hoje, temos mais de 35 que trabalham com investigadores de instituições como o Kings College.” Esses consultores “estão disponíveis para sessões individuais e personalizadas em mais de 50 tópicos de carreira, como ajudar a melhorar o currículo ou um artigo científico, por exemplo”. Por estes dias, a plataforma chega a cientistas de “todo o mundo”, da Suécia ao Qatar. O foco, diz Joana, são “os alunos de doutoramento e pós-doutoramento”, mas a Chaperone também é “para cientistas na indústria”. O registo, para investigadores e cientistas, é gratuito. Já os consultores só lá chegam a partir de um convite dos dois fundadores da plataforma.
A ciência é para todos (e não deve discriminar)
Antes da Smart Separations (e até da Chaperone), Joana prolongou o seu fascínio por bactérias em várias geografias. Durante a licenciatura em Biologia na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, fez Erasmus na Suécia. “Adorei a experiência. Tanto que, depois, achei que era espectacular fazer o mestrado em Microbiologia na Austrália”, recorda. De seguida, regressou à Europa e fez o doutoramento e pós-doutoramento na mesma área no Imperial College, em Londres, onde estudou e investigou entre 2009 e 2015. Mas “a veia empreendedora” evidenciava-se e havia algo a fazer para satisfazer o desejo de ir para lá do laboratório: fundou, em 2013, a Native Scientist, uma organização sem fins lucrativos que liga estudantes migrantes e cientistas na procura pela promoção da literacia científica.
Foi a partir da Native Scientist que se cruzou com Mariana. A organização de Joana incubou, em 2020, o Cartas Com Ciência, criado por Mariana e por Rafael Galupa, também ele investigador na Alemanha. A linha é a mesma, mas este projecto procura sensibilizar as crianças e jovens dos países de língua portuguesa a ingressarem no ensino superior através da correspondência por cartas com investigadores lusófonos. Para a lista da Euclid Network, foi nomeada por Rafael e, claro, por Joana. “Tem sido uma mentora para nós. É muito generosa, porque tem tempo para dar conselhos no meio do trabalho todo e ainda se lembra de me nomear”, diz, entre risos. Apesar de empenhada na investigação, Mariana diz ter sempre presente um “sentimento de missão” — o tal utilitarismo. E é por essa razão que se voluntaria no Cartas Com Ciência. “A parte da comunicação e da divulgação científica deu-me a parte da realização pessoal. Trabalhar num laboratório pode ser solitário”, aponta.
O tema do empreendedorismo social está “cada vez mais a aparecer em todas as camadas da sociedade”, considera. Só que, “na ciência, não é uma saída comum”: “Na minha opinião, ainda ouvimos muito, na academia, que a história de sucesso é alguém tornar-se chefe de laboratório.” Da parte que lhe toca, Mariana vê a “biologia de bancada a ficar pelo doutoramento” e prevê, no futuro, “usar a comunicação de ciência para impacto social”, um caminho “com potencial”. Joana aponta que, actualmente, “muitos cientistas voluntariam-se para imensos projectos que tentam aproximar a ciência da sociedade”, encurtando-se distâncias.
O prémio, diz a fundadora da Chaperone, é “muito importante porque faz falta reconhecer estas pessoas empreendedoras”. “E haver esta entidade a nível europeu que dá visibilidade a estas mulheres e projectos dá força e coragem”, acrescenta. Junta este galardão “simbólico” (não é um prémio monetário) a outro reconhecimento, o título MIT Under 35 que recebeu em 2017. Como mulher na ciência — e fora dela —, diz que sentiu “diferença”: “É como estarmos todos a correr. Há quem queira chegar ao topo e quem não queira. Mas para se chegar ao topo, a mulher tem de fazer um desvio, há obstáculos. Têm de ser criados apoios para não se gerar discriminação ou vamos ter sempre um desfasamento.”
Para Mariana, o prémio “significa muito enquanto alguém apaixonada pela diversidade e inclusão”. Ainda que Portugal “seja uma excepção por ter grandes exemplos de mulheres na ciência”, este é ainda “um espaço muito dominado por homens”. Mas o trabalho não fica por aí: “Não sei quantas mulheres brancas ou que vieram de estratos ou contextos privilegiados estarão na lista. Acho que é muito importante dar espaço e ter em atenção a questão da interseccionalidade e inclusão.” Também porque, no final de contas, há muitas nuances num mundo “dominado por uma visão binária” em que nem todos se revêem. E isso, conclui, “é ter empatia” por todos.