“A pandemia veio pôr a nu as principais dificuldades na área da saúde”, mas a UE já tem um plano

O programa europeu de saúde para 2021-2027 assenta em três áreas: protecção contra ameaças de saúde transfronteiriças, aumento da disponibilidade de medicamentos e equipamentos de saúde e fortalecimento dos sistemas nacionais de saúde.

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Daniel Rocha

Foi uma espécie de montanha-russa o percurso do programa europeu para a saúde 2021-2027. A proposta inicial, em 2018, era modesta: 413 milhões de euros, integrado no Fundo Social Europeu. “E depois veio a pandemia”, relata a eurodeputada do PS Sara Cerdas, uma das negociadoras do documento no Parlamento Europeu (PE). Em Maio, a Comissão Europeia fazia uma “proposta bombástica”: 9,4 mil milhões para o EU4Health, um programa independente.

“A pandemia fez ver que não podemos ter tão pouca verba para as questões de saúde, que vão muito além da prestação dos cuidados de saúde e das doenças”, explica a socialista. Em Julho, contudo, o Conselho Europeu baixou drasticamente o valor para 1,7 mil milhões de euros. Foi a pressão do PE que, durante a fase dos trílogos - a negociação entre Parlamento, Comissão e Conselho - dos diversos dossiês do orçamento plurianual (aprovado em plenária em Dezembro), puxou o valor novamente para cima, garantindo um orçamento de 5,1 mil milhões de euros para o EU4Health.

O programa de saúde europeu, que volta ao PE na terça-feira para a aprovação do texto final, tem como ponto de partida a resposta à pandemia e o rastro que esta deixará. São três as áreas de acção: protecção contra ameaças de saúde transfronteiriças, aumento da disponibilidade de medicamentos, material hospitalar e recursos de saúde em geral, e fortalecimento dos sistemas nacionais de saúde. Tiradas já algumas lições do turbulento combate à covid-19, “o foco está na preparação, mais do que na reacção”, descreve a eurodeputada do PSD Lídia Pereira, membro suplente da comissão de Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar.

Sara Cerdas, do PS, fala em dois princípios fundamentais: “uma só saúde” - abordar de forma integrada a saúde humana, dos animais e meio ambiente - e “​saúde em todas as políticas”. “A pandemia veio pôr a nu as principais dificuldades na área da saúde, e que a saúde não é só doença”, diz a médica especializada em saúde pública. “Sei que existe um longo caminho a percorrer para legislarmos mais e melhor na área da saúde pública, mas temos abertura e espaço para tal da parte da UE” - isto é, “sem pisarmos aquelas que são as competências de cada Estado-membro”. “Não precisamos de nos atropelar, mas sim de convergir”, realça Sara Cerdas.

“É importante perceber, como ponto de partida, que a forma como nos organizamos para prestar cuidados de saúde às populações é, de acordo com os tratados, uma competência nacional”, começa por dizer João Ferreira, eurodeputado do PCP. “E deve ser assim”, reforça, notando que os países europeus têm “realidades e tradições diferentes a este respeito”, algumas muito distantes do SNS português, universal e tendencialmente gratuito.

O eurodeputado lamenta que, no âmbito do semestre europeu, tenham surgido nos últimos anos recomendações no sentido de “desinvestimento” no SNS que tiveram “como consequência a abertura de espaço aos privados”. Refere ainda a directiva dos cuidados de saúde transfronteiriços - onde, considera, “a saúde é vista como um mercado, e não como um direito” - e lamenta que no EU4Health não tenha sido acolhida a proposta de privilegiar sistemas públicos.

João Ferreira reconhece que “há um campo grande de reforço da cooperação” europeia - mas, espera, não de “centralização no campo supranacional”. 

No reforço aos sistemas de saúde, uma das novidades do EU4Health são os “testes de stress” que os Estados-membros podem levar a cabo com o apoio da Comissão Europeia. Sara Cerdas descreve que estes testes de esforço permitirão “saber onde estão os pontos fracos”, verificar o estado de preparação contra futuras crises sanitárias, “nivelar por cima”. “Só tornando os 27 mais resilientes é que garantimos mais cooperação”.

A troca de informação entre Estados-membros continua, contudo, a ser um desafio. “A UE continua excessivamente burocrática nestas coisas”, diz Lídia Pereira, do PSD. “Há aqui alguns pontos que merecem reacções mais rápidas, em que a UE ainda não tem os instrumentos para agir mais rapidamente.”

Em Novembro, a comissária europeia para a saúde, a cipriota Stella Kyriakides, apresentou o plano para reforçar as competências de agências como o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA). Lídia Pereira recorda que o caminho está a ser aberto também em áreas específicas, como o plano europeu de luta contra o cancro, que considera “um exemplo claro em como a UE pode alavancar uma União Europeia da Saúde”, a partir da “partilha de conhecimento, do fomento de investigação, de tentar criar uma referência global.”

Um quinto do orçamento de 5,1 mil milhões de euros destina-se à promoção da saúde e prevenção de doenças. As doenças não transmissíveis e associadas ao estilo de vida - como as doenças cardiovasculares, o cancro, as doenças respiratórias crónicas e a diabetes - “representam um dos maiores desafios dos sistemas de saúde da UE”, lê-se na apresentação feita pela Comissão Europeia em Maio de 2020. Estas doenças “são causas importantes de deficiência, doença, reforma antecipada por incapacidade e morte prematura na União, com custos sociais e económicos consideráveis”.

Daqui a sete anos, que melhorias concretas podemos esperar devido a este programa EU4Health? “Estilos de vida mais saudáveis, ambientes urbanos, escolares e de trabalho mais saudáveis, a promoção do exercício físico e de dietas saudáveis”, enumera Sara Cerdas. E, espera-se, mais anos de vida com saúde.

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