Populismo, loucura e bancarrota
Tal como com o uso de drogas, o recurso mágico a soluções populistas traz sempre um day after com um custo que, mais tarde, vai ser necessário pagar.
Nos anos 70, o receio com o uso crescente de drogas motivou o aparecimento de uma campanha de sensibilização que tinha como lema Droga, Loucura, Morte. Hoje, um outro tipo de droga, que tem a particularidade de produzir efeitos alucinogénios colectivos sobre comunidades inteiras, avança sobre o mundo. Tal como as drogas interditas, o populismo político surge como um recurso, um escape para situações para as quais as forças dos simples humanos se declaram impotentes. E se o uso das drogas proporciona o acesso a um estádio onde tudo parece fazer sentido, o populismo dá igualmente a sensação de que é possível ultrapassar as dificuldades que a realidade nos quer impor, bastando para isso entregar o coração a um líder iluminado e forte que nos conduzirá ao paraíso. É que esse líder promete resultados concretos, já que afirma dispor de armas especiais que dispensam as regras e desprezam os factos. Só que, tal como com o uso de drogas, o recurso mágico a soluções populistas traz sempre um day after com um custo que, mais tarde, vai ser necessário pagar.
Ora é exactamente sobre esse custo que um grupo de académicos de Universidades alemãs se debruçou. Num artigo publicado a 16 Fevereiro por investigadores do Instituto Kiel e da Universidade de Bona (Manuel Funke, Moritz Schularick e Christoph Trebesch), o populismo político é tratado, não numa perspectiva ideológica, mas através dos seus efeitos económicos. E se a ausência de populismo não é garantia de uma vida económica bem-sucedida, quando uma comunidade se desliga da razão e opta pela ilusão como combustível, os resultados vão inevitavelmente do mau ao catastrófico. Neste artigo, a definição de líder populista recai naquele que se assume como o representante directo do povo (nós) contra as elites (eles). Um chefe que não necessita de interlocutores que representem a realidade, mas que oferece em alternativa a sua direcção pessoal, inspirada apenas pelos fantasmas da sua própria criação.
Os autores do citado artigo não fazem distinção entre populismo de direita ou de esquerda a não ser para identificar períodos históricos em que uns prevalecem em detrimento de outros. Com excepção dos anos 30 do séc. XX e dos últimos 20 anos em que a moda é a dos populismos de direita, no século passado vingaram os populismos de esquerda. São analisados 1500 líderes desde 1900 até hoje, tendo sido identificados 50 que podem ser classificados como populistas e que incluem Bolsonaro, Berlusconi, Orbán, Kaczynskys e Trump. Pelo contrário, Putin, Reagan, Obama e Salazar, entre muitos outros, não encaixam na definição de populistas.
Tal como no recurso às drogas, a ocorrência de fenómenos populistas tende a repetir-se como tem sido o caso da Argentina. De facto, o primeiro Presidente populista do séc. XX surge neste país com a eleição de Hipólito Yrigoyen em 1916. Mais tarde, a Argentina chamou por duas vezes os Perón e depois recorreu a Meném e aos Kirchners, num circuito em que é indiferente se a cor vem da esquerda ou da direita desde que se persiga a mesma substância, mas em que se cai no mesmo resultado. A situação económica e financeira da Argentina é o resultado natural desta insistência colectiva na loucura.
A leitura dos resultados económicos dos países geridos por populistas leva os autores a concluir que o populismo é, não só economicamente caro, resultando no melhor dos casos em espirais de dívida pública e de inflação, mas também politicamente disruptivo, pois dos 41 governos populistas identificados no Mundo desde 1970, em apenas nove casos a saída ocorreu de forma regular. A perturbação da normalidade económica e da vida democrática são sempre danos colaterais que, no caso extremo de Hitler, incluíram a destruição física e humana numa escala muito difícil de imaginar.
Para evitar consequências funestas, deve ser exigido aos promitentes líderes um caderno mínimo de obrigações de racionalidade e de respeito pela natureza humana. Entregar a direcção de um País a alguém que não faz distinção entre a verdade e a mentira ou entre os factos e a ilusão é como entregar a condução do autocarro onde viajamos a um condutor drogado. Mesmo que se sobreviva ao desastre, nem sempre se consegue garantir o regresso à normalidade.