Há mais mortes por covid-19 em países onde mais pessoas têm excesso de peso, diz relatório
Em 2,5 milhões de mortes causadas pela infecção com o novo coronavírus, 2,2 milhões ocorreram em países onde mais de metade das pessoas têm excesso de peso ou obesidade, diz estudo da Federação Mundial da Obesidade.
Nos países onde mais de metade da população sofre de obesidade, a taxa de mortalidade devido à covid-19 é dez vezes mais elevada (média ponderada de 66,8 mortes por 100 mil adultos), ou mais, do que em nações em que menos de 50% da população pode ser considerada obesa (média ponderada de 4,5 mortes por 100 mil adultos) ou com excesso de peso, diz um relatório da Federação Mundial da Obesidade, divulgado para coincidir com o Dia Mundial da Obesidade, que se assinala nesta quinta-feira, 4 de Março.
“Estes números são necessariamente incompletos”, reconhecem os autores do relatório. “São afectados pela capacidade dos países em controlar as suas fronteiras e pela velocidade com que o vírus e as suas variantes se espalha pela população e pelas áreas mais remotas. Os padrões da doença também se vão alterar à medida que mais pessoas forem vacinadas”, sublinham.
Mas o objectivo do relatório, Covid e Obesidade – o Atlas de 2021 é fazer uma vigorosa chamada de atenção “para o segundo mas importante factor de predição de hospitalização com covid-19 e alto risco de morte”. Só a idade avançada representa um risco mais elevado, sublinham John Wilding e Johanna Ralston, os dois elementos da direcção da Federação Mundial da Obesidade que assinam o prefácio do relatório.
Assim, este relatório, que utilizou dados de mortalidade por covid-19 da Universidade Johns Hopkins e do Observatório Global de Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre obesidade, concluiu que, das 2,5 milhões de mortes causadas pela infecção com o novo coronavírus até ao fim de Fevereiro de 2021, 2,2 milhões ocorreram em países onde mais de metade da população é classificada como tendo excesso de peso ou obesidade.
Portugal surge com 20,8% de obesidade (índice de massa corporal ou IMC igual ou acima de 30) e 57,5% de excesso de peso (IMC ou a relação entre a altura e o peso de um indivíduo acima de 25) na população, o que o coloca mais ou menos na média de outros países ocidentais, mas com 67,7 mortes por cada 100 mil habitantes.
É uma posição menos grave do que a de um país como o Reino Unido, onde a mortalidade devido à covid-19 foi maior: 110,73 mortes por cada 100 mil habitantes. O relatório diz que 27,8% dos britânicos se podem considerar obesos (com IMC acima de 30) e 63,7% com excesso de peso.
Nos Estados Unidos, o país onde mais pessoas morreram por covid-19 – mais de meio milhão –, a taxa de mortalidade foi de 105,68 por 100 mil habitantes. Neste país, 36,2% da população pode ser considerada obesa e 67,9% tem excesso de peso.
Já na Coreia do Sul, onde houve apenas 1,78 mortes por 100 mil habitantes, a proporção de adultos obesos é de apenas 4,7%, diz o relatório – embora 30,3% tenham excesso de peso.
Tedros Adhanom Ghebreyesus, director-geral da Organização Mundial de Saúde, disse sobre este relatório que deve ser um “alerta para os governos, a nível global”, cita-o o Financial Times.
Uma relação de risco
A relação entre a obesidade e o aumento do risco de hospitalização ou eventualmente morte nos doentes de covid-19 foi identificada em vários estudos científicos feitos durante o último ano. Os autores deste relatório vão um passo adiante e dizem que nenhum país em que o índice de massa corporal médio fica abaixo de 25 – portanto, com baixa prevalência de excesso de peso ou obesidade – teve um alto nível de mortalidade devido à covid-19. Usam dados de 160 países e defendem encontrar relações lineares entre a taxa de mortalidade devido às infecções pelo novo coronavírus e a prevalência estimada de excesso de peso ou obesidade.
No entanto, alguns países vão contra essa corrente, como a Nova Zelândia, a Austrália e várias monarquias do Golfo Pérsico, onde, apesar de existirem altos níveis de excesso de peso (acima de 60%), a mortalidade devido à covid-19 é relativamente baixa (abaixo de 10 por 100 mil habitantes). “Estes números reflectem claramente o efeito das respostas nacionais à pandemia de covid-19”, escrevem os autores do relatório.
“A covid-19 não é a primeira infecção respiratória viral que é exacerbada pelo excesso de peso. Dados das duas últimas décadas sobre o impacto da MERS [síndroma respiratória do Médio Oriente, causado por um coronavírus aparentado com o SARS-CoV-2], gripe H1N1 e outras infecções relacionadas com a gripe mostram desenvolvimentos mais graves em pessoas com excesso de peso”, diz o relatório da Federação Mundial de Obesidade.
“Uma população com excesso de peso não é saudável, e é uma pandemia à espera de acontecer”, escrevem os autores, que apelam aos governos e respectivos sistemas de saúde para adoptar uma série de recomendações, que incluem maior investimento na saúde e prevenção da obesidade e o reconhecimento da obesidade como uma doença em si, que precisa de tratamento.
Foi ainda lançada uma declaração a propósito da covid-19 pela Federação Mundial da Obesidade e outras organizações relacionadas, em que sublinham que “a obesidade é uma doença que não está a ter a prioridade que devia, considerando a sua prevalência e impacto, que está a aumentar rapidamente nas economias emergentes”.
Em Portugal, a Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO) e a Associação de Doentes Obesos e Ex-Obesos de Portugal (ADEXO) lançaram um documento de consenso, denominado Recalibrar a Balança, que aponta cinco prioridades para melhorar a forma como a obesidade é gerida em Portugal, entre os quais promover uma abordagem no tratamento da obesidade que passe “do ónus individual para uma visão partilhada de saúde pública”, “mobilizar recursos para garantir a formação especializada dos profissionais de saúde” ou criar um “programa de consultas de obesidade nos cuidados de saúde primários”.
“Ignorar os riscos associados à obesidade, sobretudo no contexto da pandemia de covid-19, é contribuir para um país mais doente, vulnerável e assimétrico, incapaz de travar a progressão desta doença crónica e das suas consequências”, comentou Paula Freitas, presidente da SPEO, citada num comunicado de imprensa. “Estas consequências têm impactos não só a esfera individual, mas também sobre as famílias, sistemas de saúde, economias e o progresso social, comprometendo a saúde das próximas gerações”, sublinhou.