Zonas rurais são as que têm mais jovens que não estudam nem trabalham
Proporção de jovens que não estuda nem trabalha é superior nestas regiões devido à fragilidade dos tecidos económicos e a fenómenos como o abandono escolar. Tendência cresceu nos últimos cinco anos, aponta estudo europeu coordenado pelo Iscte.
A proporção de jovens que não estudam nem trabalham (conhecidos como “nem-nem") é maior em zonas rurais do que em cidades ou zonas medianamente urbanizadas. Esta população está mais exposta à fragilidade da economia destes territórios e a fenómenos como o abandono escolar precoce ou a mobilidade, que acentua os problemas de desertificação, conclui um relatório coordenado pelo Iscte - Instituto Universitário de Lisboa, no âmbito de um projecto europeu de investigação.
A tendência da década que é analisada por este estudo foi de diminuição da proporção de jovens que não estuda nem trabalha. Este indicador baixou de 13,1% para 9,5% no período avaliado (2009-2019). Esta evolução não foi, porém, contínua. Na primeira metade da década, a percentagem de “nem-nem” foi subindo, como consequência da crise financeira, tendo atingido o pico em 2013. Nesse ano, 17,1% da população entre os 15 e os 29 anos estava inactiva.
Desde então, tem-se assistido a uma inversão, com o número de “nem-nem” a recuar. O que esta investigação coordenada pelo Iscte mostra é que esta recuperação não foi igual em todos os territórios. Nas áreas rurais onde, em 2009, havia uma proporção de jovens que não estudam nem trabalham semelhante à que era verificava nas cidades (13,3%), o indicador situa-se agora bem acima do que acontece em todas as outras zonas do país.
Nas zonas rurais havia 11,5% de jovens inactivos em 2019. Quando se considera a totalidade do território nacional, a proporção de “nem-nem” é de 9,5%. Nas cidades, o número está um pouco abaixo (9,2%). O melhor registo é verificado nas zonas que os investigadores classificam como “suburbanas” (8,8%). O relatório usa o indicador do Eurostat que considera “suburbanas” zonas de densidade intermédia, como Bragança ou Ponte Delgada, ou seja, “núcleos urbanos, com uma área rural muito significativa à sua volta”, explica Francisco Simões, investigador que coordena o projecto. As zonas periféricas das grandes cidades são consideradas como cidades.
A proporção de “nem-nem” “é maior nas áreas rurais em todas as classes etárias para as quais há dados disponíveis”, sublinha o relatório nacional que resulta desta investigação, que foi publicado no final do ano passado. Este fenómeno “revela desigualdades territoriais no acesso a oportunidades de emprego e educação, tornando os jovens de certos territórios mais vulneráveis a tornarem-se NEET” (a sigla internacional usada para identificar o fenómeno), lê-se ainda no documento
Este Observatório NEET em espaço rural é um projecto de investigação financiado pela União Europeia e que envolve mais de 40 parceiros em todo o continente. A rede é coordenada a partir de Portugal pelo Iscte. Os dados de que partem os investigadores eram conhecidos e são publicados todos os anos pelo Eurostat, mas é a primeira vez que são sistematizados para o período de uma década.
A investigação permitiu identificar “factores de risco” que expõe os jovens a caírem numa situação em que não estudam nem trabalham, explica Francisco Simões, investigador do Centro de Investigação e Intervenção Social do Instituto Universitário de Lisboa. O primeiro destes factores é a fragilidade das economias das regiões rurais, uma tendência que é também observada em Itália, Espanha, Bulgária e Roménia. Será publicado, em breve, um relatório final que cruza os dados dos diferentes países integrantes do projecto.
Outro factor também comum às periferias europeias e que ajuda a explicar o fenómeno NEET em espaço rural são os níveis elevados de abandono escolar precoce. Apesar de “Portugal ter vindo a melhorar de forma mais acelerada do que os outros países” neste indicador, aponta Simões, este continua a ser uma questão premente em zonas rurais.
O investigador do ISCTE acrescenta ainda à equação a fácil mobilidade dos jovens, que expõe as áreas rurais a taxas mais elevadas de “nem-nem”. “Os jovens mais qualificados destas zonas vão embora, enquanto os menos qualificados ficam. Têm mais dificuldades em sair e estão condenados à precariedade”, explica. “Ficam, muitas das vezes, com as oportunidades que restam”.
Os dados mostram também que, apesar de existir uma tendência geral para que o número de “nem-nem” seja superior nas zonas rurais, esta acentuou-se em Portugal a partir de 2015. Nos últimos três anos houve até uma ligeira inflexão na diminuição da proporção de jovens inactivos nestes territórios, ao mesmo tempo que o número continuou a cair em todas as outras áreas.
Francisco Simões considera que este é ainda um efeito da crise do início da década. Muitos dos jovens que, durante esse período optaram por não sair das zonas rurais, acabaram “por fazê-lo assim que tiveram recursos”. Ao mesmo tempo, “o mercado de trabalho continua a degradar-se nestes territórios”, especialmente em “sectores tradicionais que tiveram dificuldades de adaptação no pós-crise e não conseguiram criar novas oportunidades de trabalho para jovens”, avalia o investigador.