Portugal-Europa na ensaística de Jorge Borges de Macedo
Para o historiador cujo centenário agora se cumpre, a história de Portugal só pode ser compreendida à luz da história do continente europeu, que a condiciona e conforma.
As efemérides são sempre um bom pretexto para se falar de alguém. Tratando-se do centenário de nascimento do historiador Jorge Borges de Macedo (1921-1996), que se assinala esta quarta-feira, a coisa ganha maior acuidade. Mas não vamos escrever sobre a sua vastíssima obra e significado na historiografia portuguesa. Para uma ideia de conjunto dela remeto os leitores para a série de cinco ensaios que o Diário de Notícias digital publicou desde 25 de Fevereiro sobre a história económica, cultural, diplomática e das relações internacionais na sua produção, o seu entendimento da história como história-problema e o ensino da história em Jorge Borges de Macedo – assinam os textos Luís Aguiar Santos, Raul Rasga, Paulo Miguel Rodrigues, Álvaro Costa de Matos e Ana Leal de Faria.
A chamada de atenção que faço aqui – necessariamente breve, num artigo de opinião – é para uma faceta menos conhecida de Jorge Borges de Macedo, a de ensaísta. Faceta alicerçada num sólido conhecimento do passado e do presente, o que lhe permitia desmontar facilmente ideias feitas e lugares-comuns, pondo permanentemente em causa o conhecimento adquirido. Da história levou ainda para o ensaio a erudição, a captação rápida de problemas e de acontecimentos, a versatilidade temática, o posicionamento crítico, a visão geoestratégica e a análise, onde era sublime. A actividade de ensaísta, combinada com a de reputado historiador e professor universitário, deu-lhe notoriedade pública, presença cultural interveniente, tornando-o intelectual e pensador incontornável nos grandes debates contemporâneos da sociedade portuguesa. O amigo Mário Soares caracterizou-o bem aquando da sua morte, a 18 de Março de 1996: “O Jorge era não só inteligente, mas também iconoclasta, irreverente e tinha o gosto da provocação intelectual, qualidades que obviamente não eram apreciadas pela equipa docente da época.”
Como ensaísta, assumem especial relevância quer as suas reflexões sobre a Europa e as relações de Portugal com a Europa quer os seus escritos sobre a identidade nacional e o papel das elites. Sobre as primeiras importa reter que Jorge Borges de Macedo foi um dos historiadores portugueses que, a par da investigação histórica, mais reflectiu sobre a Europa e o papel de Portugal nessa mesma Europa. Esta problemática assume até uma certa centralidade numa produção que, a partir dos anos 80, se inclina para um pendor mais ensaístico.
Vejamos: ainda em 1968 publicou A cultura portuguesa no mundo contemporâneo: um problema geral; em 1977 saiu Um desafio à cultura portuguesa; em 1979 escreveu Uma perspectiva histórica para a integração europeia; no ano seguinte publicou Aron é um pensador europeu; em 1981 reflectiu sobre o Mercado Comum. Uma experiência nova para Portugal; em 1985 escreveu O contributo histórico de Portugal para a formação do património cultural europeu; em 1986 debruçou-se sobre A adesão de Portugal ao Mercado Comum: antecedentes históricos; o ano de 1987 foi bastante produtivo no que a esta temática diz respeito, tendo publicado O Atlântico Norte e os desafios do Sul – perspectiva histórica, Ensino e Cultura. Preparar o Desafio Comunitário, Europa: que geopolítica?, A Nação como instrumento e projecto de defesa, Política e Estratégia na relação Portugal-Espanha: um problema de hoje e Portugal na perspectiva estratégica europeia; em 1988 acrescentou a esta bibliografia o trabalho Hora portuguesa, hora europeia e reuniu grande parte destes ensaios na obra Portugal-Europa para além da circunstância; em 1990 deu à estampa A Europa como grandeza histórica e Portugal na nova distribuição das forças europeias; em 1994 editou A Experiência Histórica Contemporânea, um importante ensaio sobre o sentido e o fim do último quartel do século XX, que não esqueceu a evolução política portuguesa entre 1974 e 1994 – reeditado em Jorge Borges de Macedo: Saber Continuar, em edição de 2005 organizada pelo filho, Jorge Braga de Macedo; em 1996 ocupou-se da União Europeia: uma experiência de política externa; de referir, por último, Portugal – Um Destino Histórico, publicado em 1990, onde desbrava “um problema [o destino histórico dos dois Estados peninsulares] que, embora visto em separado, jamais fora objecto de exame numa visão do conjunto hispânico” (Serrão, 1999: 13). É aqui que encontramos uma verdadeira doutrina sobre a razão de ser de Portugal, na visão histórica de Jorge Borges de Macedo.
Esta bibliografia leva-nos a colocar a seguinte questão: porquê este interesse de Jorge Borges de Macedo pela temática europeia e sua história? Na ausência de um testemunho directo do historiador, julgamos que a resposta não poderá deixar de passar pelo entendimento peculiar que tem da história. Ou seja, para ele, a história, neste caso de Portugal, só ganharia sentido se situada num plano mais vasto, daí as inúmeras incursões analíticas pela história europeia e extra-europeia. Isto aplica-se, claro está, tanto à história de Portugal como à história de qualquer outro país europeu. A problematização e a compreensão do nosso passado requerem a comparação com a história europeia e a inclusão dos factos concretos nas “possibilidades globais efectivas” (Macedo, 1982: 8). Este é um pressuposto teórico que atravessa toda a sua obra historiográfica e ensaística.
O paradigma do que acabamos de escrever encontra-se na sua História Diplomática de Portugal – Constantes e Linhas de Força. Estudo de Geopolítica, de 1987, onde a comparação com a realidade europeia e extra-europeia é uma constante. Esta condiciona o processus histórico português, mas também recebe dele vários elementos, sejam de natureza política e institucional, sejam de natureza económica e social, sejam ainda de natureza civilizacional. A realidade portuguesa é indissociável da evolução europeia e vice-versa. Há, portanto, uma interdependência que importa estudar, único caminho para compreender os factos que dela resultam. Daqui resulta um ensinamento da maior actualidade: Portugal só pode considerar a vantagem recíproca nas suas relações com a Europa. Mas nunca deve equacionar a sua situação a partir de uma posição de dependência, sem capacidade de troca ou de alternativa. Só dentro desse quadro estratégico é que faz sentido falar em integração europeia, até porque ela assegura o progresso da nacionalidade, como solução para a sobrevivência nacional – o presente aí está a comprová-lo.
Álvaro Costa de Matos foi aluno de Jorge Borges de Macedo na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e seu assistente na Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade Católica Portuguesa