Ainda a propósito das barragens: acudam-nos que a cousa é grave!
Esta “construção jurídica” é, pois, uma aparência montada para esconder um negócio real – a venda de seis barragens detidas pela EDP à Engie com o objectivo claro de aproveitar as entrelinhas da Lei para evitar o pagamento de impostos.
À medida que se vai desfiando este complexo novelo da venda das barragens da EDP, restam poucas dúvidas sobre o propósito que subjaz a este negócio: um planeamento fiscal abusivo para evitar o pagamento dos impostos que a Lei determina.
Vamos então por partes:
Em 1954 foi conferida à Hidro-Eléctrica do Douro a concessão de três barragens no Douro Internacional por um período de 75 anos (a HED viria a ser mais tarde englobada no Universo EDP).
Em 2007, pelo despacho n,º 16982/2007, foi prorrogado o prazo de concessão de todas as barragens do País concessionadas à EDP até 2042, tendo esta pago como contrapartida o montante de 759 milhões de Euros, 78 milhões dos quais respeitantes às três barragens do Douro Internacional.
Em 2019, a EDP anuncia que iniciou um processo de venda de seis barragens do Douro, tendo a Engie comunicado publicamente “a realização de um negócio de aquisição de um portfólio hidroeléctrico de seis barragens da EDP por um valor de 2,2 mil milhões de Euros na sequência de um leilão internacional”.
A EDP apresentou um requerimento ao Governo descrevendo a operação que pretendia fazer:
- Cindir a EDP formando uma “Nova Sociedade”;
- Transmitir para essa sociedade todos os direitos de exploração das barragens;
- De seguida a EDP venderia a outra sociedade “Águas Profundas S.A.” (empresa detida pela Engie) todo o capital da “Nova Sociedade”;
- De seguida, mediante uma operação de fusão, a “Nova Sociedade” seria absorvida pela “Águas Profundas”, após o que lhe seriam transmitidos todos os activos que detinha.
O que há de estranho em tudo isto? É que o contrato foi assinado a 17 de Dezembro de 2020 e a “Nova Sociedade” foi constituída no dia anterior sob a designação de “Camirengia Hidroeléctricos S.A.”. De seguida, a EDP alienou todas as participações sociais desta empresa à “Águas Profundas”, que se passou a designar “Movhera I – Hidroeléctricos do Norte S.A.” (no dia 25/01/2021 é registado o projecto de fusão por incorporação, mediante transferência global do património de que resultará a extinção da 1.ª sociedade, passando a segunda a deter a totalidade dos activos e passivos incluindo a incorporação do único trabalhador da sociedade incorporada).
Para que este negócio se consumasse, o Estado teria de dar o seu aval verificando nomeadamente que o potencial adquirente possuía as habilitações e a capacidade técnica e financeira exigidas ao titular originário. O que não foi feito, uma vez que a Nova Sociedade, que detinha um único trabalhador, se constitui na véspera da assinatura do contrato (17/01/2020) e a autorização da APA foi comunicada a 13 de Novembro de 2020.
Assim, o Estado autorizou o trespasse das barragens para uma empresa que ainda não existia.
Esta “construção jurídica” é, pois, uma aparência montada para esconder um negócio real – a venda de seis barragens detidas pela EDP à Engie com o objectivo claro de aproveitar as entrelinhas da Lei para evitar o pagamento de impostos.
Tudo isto em benefício de uma única entidade e com avultado prejuízo do País e, em particular, da tão já massacrada Terra de Miranda.
E como se tudo isto já não bastasse, consta que o “Grupo de Trabalho” designado pelo sr. ministro do Ambiente como resposta às reivindicações do Movimento da Terra de Miranda estará agora a estudar se esta operação está ou não sujeita ao pagamento de impostos. Então cabe agora a um Grupo de Trabalho constituído por autarquias perorar sobre esta matéria? Mas não é a Autoridade Tributária que detém as competências para determinar o pagamento ou a isenção de impostos?
E não haverá Autoridade neste País para pôr cobro a todos estes desmandos?
Será preciso recorrer a Bruxelas para se anular este formato de negócio?
Cidadão mirandês