Em França, livrarias e lojas de discos vão usufruir do estatuto de “comércio essencial”

Alteração permite-lhes abrir ao fim-de-semana nas cidades sujeitas às restrições do confinamento. Mas a histórica Gibert Jeune vai fechar as suas quatro lojas na Praça Saint-Michel.

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A nova medida chega tarde para salvar as famosas livrarias Gibert Jeune do encerramento Elise HARDY/Gamma-Rapho/Getty Images

O Governo francês decidiu incluir as livrarias e as lojas de discos e vídeos na lista do “comércio essencial” e estas vão assim passar a poder vender ao fim-de-semana, mesmo sob o novo confinamento a que a pandemia de covid-19 está a obrigar várias cidades e regiões do país.

A decisão está plasmada no decreto governamental publicado na sexta-feira, que determina que as referidas lojas, equiparadas a “comércios essenciais”, vão poder manter-se abertas aos sábados e domingos, entre as 6h e as 18h.

ministra da Cultura, Roselyne Bachelot, congratulou-se com a medida: “As livrarias são lojas essenciais. Nunca tivemos qualquer dúvida sobre isso”, disse à AFP, lembrando que durante o segundo confinamento imposto no final do ano passado só foi permitido às livrarias francesas manterem-se em actividade na modalidade de compra online com recolha nas lojas ou envio postal, beneficiando este da gratuitidade dos portes de correio. Em Portugal, recorde-se, e apesar da pressão de editores e livreiros, estes estabelecimentos continuam impedidos de abrir as suas portas, tendo o Governo autorizado o comércio de livros apenas nas lojas que comercializam outros bens considerados essenciais, como hipermercados, Fnac ou quiosques.

A situação sanitária francesa agravou-se na última semana, levando mesmo a Câmara Municipal de Paris a propor ao Governo, na quinta-feira, um novo confinamento de três semanas, na expectativa de “uma reabertura total no final desse período” que pudesse então já incluir cafés, restaurantes e espaços culturais, como anunciou o adjunto da autarquia, Emmanuel Grégoire. Uma esperança que o primeiro-ministro, Jean Castex, logo classificou como “absurda”.

De facto, o país, que a meio desta semana registou mais 30 mil casos de infecções por covid-19, o maior número desde Novembro – e que, desde o início da pandemia, contou já mais de 85 mil mortes –, está já confrontado com o regresso de medidas de confinamento mais duras, que este fim-de-semana incluíram o encerramento das actividades não essenciais em cidades e regiões como Dunquerque, no norte, e Nice, no sul.

E o Governo admite estender as novas restrições, já a partir da próxima semana, a 20 outras regiões do país, incluindo a de Île-de-France, a área metropolitana de Paris. “O vírus está de novo a conquistar terreno desde há uma semana”, disse na quinta-feira Jean Castex, acrescentando que o momento é de apreensão e que é por isso prematuro pensar por agora em desconfinamento.

Livraria centenária vai fechar

Mas o agora anunciado alívio das restrições às livrarias – sector que no ano passado segundo as contas do Le Monde, registou uma quebra apesar de tudo não muito pronunciada, na ordem dos 3,3% face às receitas de 2019 – não chega a tempo de impedir o fecho da mais do que centenária livraria Gibert Jeune, uma referência na movida cultural e estudantil da zona de Saint-Michel, bem perto da catedral de Notre-Dame e da Sorbonne.

Aberta em 1886 por Joseph Gibert no Cais Saint-Michel, na margem esquerda do rio Sena, a Gibert Jeune foi crescendo com o passar das décadas, tornando-se uma das instituições mais emblemáticas no roteiro cultural e turístico do Quartier Latin. A seguir às suas primeiras duas lojas viradas para o Sena, a família Gibert abriu quatro novos espaços na Praça Saint-Michel, cujas salas, transbordando para as bancas cheias de saldos em cima do passeio, se tornaram local obrigatório de passagem (e paragem) de habitantes e visitantes, e de figuras da cultura francesa como André Gide, André Malraux, Marguerite Duras ou Serge Gainsbourg, recorda o Le Monde.

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A primeira livraria Gibert Jeune abriu em 1886 dr

A Gibert Jaune é “a história de um bairro de Paris outrora tão alegre e durante muito tempo associado ao estudo, às ideias, à juventude e ao conhecimento; é a história da livraria francesa, confrontada com novos hábitos de leitura e novas formas de compra e com um mercado imobiliário asfixiante; é também a história de uma dinastia – os Giberts – que, em 135 anos, elevou ao mais alto padrão o modelo da livraria independente e manteve com sucessivas gerações de estudantes, bibliófilos e leitores um vínculo de grande familiaridade, ao ponto de muitos acreditarem que ela seria eterna”, descreve a jornalista Annick Cojean.

Essa miragem de “eternidade” esfuma-se agora perante a notícia de que as quatro lojas da Praça Saint-Michel vão fechar no final do mês de Março, permanecendo aberta apenas a que se mantém no n.º 27 do cais. Sete dezenas de funcionários perderão os seus empregos, mantendo-se apenas nove nos seus postos da loja virada para o Sena, salva por uma iniciativa da Câmara de Paris, que conseguiu mantê-la ao abrigo de uma classificação patrimonial, e na sequência de uma negociação realizada no passado mês de Dezembro.

“O nosso objectivo é salvaguardar o comércio cultural, e gostaríamos de manter uma livraria Gibert neste lugar”, disse ao Le Monde uma adjunta da autarquia, Olivia Polski.

O Le Monde faz ainda referência à existência de uma sétima loja da livraria Gibert Jeune noutro bairro de Paris, em Saint-Denis, onde trabalham 20 funcionários, e cujo futuro permanece também incerto.

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