Deixar o desporto de fora

Os Planos de Recuperação e Resiliência (PRR) que os diferentes países europeus têm de apresentar às autoridades europeias apresentam objectivos pré-definidos e obedecem a um Regulamento comunitário aplicável a todos os Estados-membros.

Significa isto que existem balizas a que os PRR devem obedecer e é da responsabilidade de cada Estado-membro desenvolver, dentro dos limites estabelecidos, os programas que a sua realidade nacional justifica em ordem ao objectivo final: a recuperação e sustentabilidade da economia e da coesão social na fase pós-covid.

Não existe quer nos objectivos, quer no Regulamento, qualquer imposição das medidas propostas terem de obedecer à forma e ao conteúdo que o Governo de Portugal as entendeu dar-lhes. Para o provar, basta que consultemos os equivalentes de outros países europeus, onde os objectivos a alcançar e as medidas elencadas são substancialmente distintas.

Quando consultamos o documento que o Governo de Espanha apresentou constatamos um expresso e amplo desenvolvimento de medidas para apoio aos sectores da cultura e do desporto e respectivos pacotes financeiros.

Ou seja, não se optou pelo argumentário, usado em Portugal, que quer a cultura, quer o desporto não precisam de lá estar referenciados, porque já lá estão, como se depreende da resposta do primeiro-ministro a propósito da Carta Aberta dos agentes culturais e das declarações do Secretário de Estado da Juventude e do Desporto a propósito da ausência de qualquer referência ao desporto.

A opção política das autoridades portuguesa de retirar qualquer referência à actividade física e desportiva do PRR não é, portanto, uma limitação das regras europeias no que concerne à elaboração do mesmo. É bom que isto fique claro e se não deixe passar a ideia que o documento a submeter às autoridades europeias limita as opções políticas adoptadas.

Quer o desporto, quer a cultura, têm um amplo acolhimento e profusa produção política das instituições europeias sobre o seu papel transversal e contributo inestimável para os seis pilares relevantes de política comunitária sobre os quais se devem focar os Instrumentos de Recuperação e Resiliência, tendo em vista alinhar a utilização dos recursos financeiros do Mecanismo de Recuperação e Resiliência com as prioridades europeias, bem como para acolher uma vasta maioria das Recomendações Específicas por País dirigidas a Portugal no âmbito do semestre europeu, quer em 2019, quer em 2020.

E assim é, e foi-o reconhecido pelo actual primeiro-ministro, quando na presença do director-geral da Organização Mundial de Saúde apresentou em Portugal o Plano Mundial para a Promoção da Actividade Física e anunciou uma campanha nacional de promoção da actividade física, assinando um protocolo de promoção de hábitos de vida saudáveis com cerca de quatro dezenas de municípios no âmbito do Programa Nacional para a Promoção da Actividade Física (PNPAF), cuja metas, orientações e estratégias são agora ignoradas no PRR e quando precisamente o Programa do Governo inscreve o desígnio de colocar Portugal nos 15 países física e desportivamente mais activos da União Europeia.

E embora ao Desporto não tenha sido reconhecida dignidade nem valor social e económico suficientes para constar do Plano de Estabilização Económica e Social e tenha sido incluído na Visão Estratégica de forma aparentemente não assumida, aquele logrou não ficar esquecido na Estratégia Portugal 2030. Foi sol de pouca dura.

A proposta do PRR não é acto isolado, mas uma orientação sistematicamente praticada: deixar o desporto de fora das políticas públicas de resposta à crise pandémica.

Temos vindo insistentemente a alertar para a gravidade da situação e estranhamente não se recolhem sinais de inflexão por parte das autoridades portuguesas do caminho até agora seguido, por mais que as orientações das instituições europeias e organizações internacionais recomendem e urjam a uma acção nesse sentido.

Sugerir correcção
Comentar