Líderes europeus “convergiram” para o uso de certificados de vacinação, mas o assunto não ficou resolvido
Conselho Europeu definiu critérios uniformes para a informação médica registada nos certificados. Mas a aceleração da produção de vacinas e da campanha de vacinação continua a ser a “questão do momento” para os chefes de Estado e Governo da UE.
O fornecimento de vacinas contra a covid-19 e a aceleração da campanha de vacinação continua a ser a “questão do momento” para os 27 chefes de Estado e Governo da União Europeia, que esta quinta-feira debateram durante cinco horas a sua estratégia de combate à pandemia em mais uma reunião por videoconferência do Conselho Europeu.
A maior parte da sessão foi dedicada à discussão dos problemas que estão a atrasar a administração da vacina, e a deixar a União Europeia atrás de alguns dos seus parceiros em termos da cobertura da população (até ao momento, apenas 8% da população adulta completou a toma de duas doses). Do total de 51,5 milhões de doses já distribuídas entre os 27, só foram ainda administradas 29,17 milhões, mas a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, insistiu que a meta “ambiciosa” de vacinação de 70% dos adultos até ao fim do Verão não está comprometida.
Mas os líderes acabaram por gastar “bastante tempo” a debater o tópico dos certificados de vacinação, que foi inscrito na ordem de trabalhos como um ponto de consulta e sobre o qual ainda não foram tomadas quaisquer decisões — apesar do ruído e confusão provocada por alertas enviados logo após o fim da reunião, que citavam a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, a dar por garantida a entrada em funcionamento desse sistema no Verão.
“Em relação aos certificados, foi reconhecido que será preciso mais trabalho. Sentimos uma grande convergência de opiniões entre os Estados-membros, mas o assunto não ficou resolvido”, informou o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, acrescentando que para já os líderes deram um mandato ao Comité de Representantes Permanentes para desenvolver mais trabalho técnico, antes de o Conselho Europeu retomar a discussão política, no fim de Março.
Segundo explicou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o debate não será concluído enquanto persistirem “questões científicas em aberto”, tais como, por exemplo, se os indivíduos já vacinados podem ou não transmitir o vírus, e não forem encontradas respostas satisfatórias para “questões políticas” relacionadas com os direitos (ou liberdades adicionais) concedidos aos portadores destes certificados.
Ainda assim, os 27 já definiram esta quinta-feira alguns princípios relativos à vertente médica destes certificados, nomeadamente a uniformização dos dados que podem ser registados, “de forma neutra” no documento: se o seu portador já recebeu as duas doses da vacina, se obteve um resultado negativo num teste PCR ou se tem anticorpos por ter estado infectado com o coronavírus.
De acordo com Von der Leyen, será preciso montar um sistema de partilha dessa informação, que cada Estado-membro terá de implementar nos seus serviços de saúde e de fronteiras para assegurar a validação dos certificados, como acontece com os boletins internacionais das vacinas de viajantes.
“Só para montar a interoperabilidade do sistema serão precisos pelo menos três meses”, estimou a presidente do executivo, ressalvando que estava a referir-se à componente do reconhecimento médico do certificado e não aos direitos atribuídos aos detentores desse documento, como, por exemplo, isenções — que alguns Estados-membros já estão a negociar unilateralmente — do cumprimento das restrições de viagens.
Sobre o tema sempre delicado da gestão de fronteiras, a presidente do executivo concedeu que “há um conflito entre a saúde e a liberdade de movimentos que tem que ser resolvido”, e que as medidas aplicadas têm de ser proporcionais e não-discriminatórias, e “compatíveis com a situação epidemiológica”. Actualmente, há 20 Estados membros onde se regista uma tendência de diminuição dos contágios, mas noutros sete o ritmo das novas infecções ainda está a crescer.
No final do encontro, e contra a corrente da opinião pública de provavelmente todos os Estados membros, Charles Michel, afirmava que “há razões para a esperança e o optimismo”, apesar dos desafios que as novas variantes do vírus vieram colocar ao combate à pandemia.“Vimos durante o nosso debate que temos os meios necessários e dispomos de todos os recursos que garantem que podemos ultrapassar a crise”, declarou.
Durante a reunião, os líderes submeteram a presidente da Comissão a uma espécie de prova oral, bombardeando Ursula von der Leyen com perguntas sobre as dificuldades de fabrico e os atrasos nas entregas de doses de vacinas reportados pelas empresas farmacêuticas que estão neste momento a abastecer os 27, ou os resultados das averiguações da task force liderada pelo comissário responsável pela pasta do Mercado Interno, Thierry Breton, encarregado de colaborar com a indústria para encontrar soluções que permitam aumentar o volume de produção.
A equipa de Breton identificou várias unidades que poderiam ser escaladas, adaptadas ou reconvertidas para fortalecer a cadeia de produção de vacinas e o seu fornecimento. Mas ainda permanecem problemas a resolver, e os líderes pressionaram para obter informação mais concreta sobre os bloqueios que se repercutem na sua capacidade de distribuir e administrar as doses prometidas à população. Há um problema de regulação, de direitos de propriedade, ou de escassez de matérias-primas?
À mesma hora, os eurodeputados repetiam as mesmas interrogações aos CEO das companhias que têm contratos de aquisição prévia de vacinas com a Comissão. A “táctica” de todas as instituições europeias passa pela pressão máxima sobre as farmacêuticas. “As empresas devem assegurar a previsibilidade da sua produção de vacinas e respeitar os prazos contratuais de entrega das mesmas”, dizem as conclusões aprovadas pelos 27, que ameaçam recorrer ao mecanismo temporário de transparência para travar as exportações, se os contratos não forem cumpridos.
Mas como assinalava uma fonte europeia, no que diz respeito às vacinas, o foco pode mudar muito rapidamente da indústria para os governos se as previsões de entregas no mês de Março e ao longo do segundo trimestre forem cumpridas. “Nas próximas semanas já devem começar a chegar muito mais doses e nessa altura o mais importante será a capacidade de organização de cada Estado-membro”, observou. Talvez por isso, os líderes tenham levado para a discussão do Conselho Europeu a questão do intervalo de tempo para a toma das duas doses da vacina, que pode vir a ser alargado para aumentar a cobertura.