ANA quer insonorizar casas onde o ruído de aviões da Portela não dá descanso

A gestora de aeroportos quer avançar com a medida no segundo trimestre do ano, mas ainda não se conhecem todos os critérios para os prédios integrarem este programa. Não se sabe ainda como será financiado, mas a ANA quer que seja com base no princípio do poluidor-pagador. Ou seja, as companhias aéreas devem chegar-se à frente.

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Daniel Rocha/Arquivo

Para quem mora com o barulho constante de aviões a sobrevoarem as suas casas, dormir e descansar é, por vezes, uma literal dor de cabeça. Para minimizar esses impactos, a ANA Aeroportos de Portugal quer avançar com um Programa de Isolamento Acústico para proteger e isolar habitações, escolas e hospitais mais antigos do ruído que, por vezes, vai além do previsto na lei. 

Esta medida faz parte do Plano de Acção do Ruído 2018-2023 do Aeroporto Humberto Delgado — mas só aprovado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) no ano passado — e, segundo explicou o presidente da comissão executiva da ANA, Thierry Ligonnière, prevê a realização de obras de insonorização em edifícios directamente afectados pelo ruído nocturno dos aviões, nas suas rotas de aterragem e descolagem. O responsável falava numa reunião na Comissão de Ambiente e Qualidade de Vida na Assembleia Municipal de Lisboa, na passada quarta-feira, a propósito da petição “Aeroporto da Portela: queremos ser informados e ouvidos sobre os seus impactos”, que deu entrada nos serviços em 2019. 

O número de casas a intervencionar está ainda por determinar, mas o programa prevê abranger apenas edifícios de Lisboa e de Loures “especialmente sensíveis”, como escolas ou hospitais, construídos até 2002, ou casas ou apartamentos com licença de habitação/utilização emitida até 2004 e cujo isolamento sonoro seja deficitário. Os elevados níveis de ruído podem ter impactos ao nível do sono, no sistema cardiovascular e neurológico, afectando ainda o desempenho escolar e laboral.

Já depois da reunião, a ANA explicou ao PÚBLICO que o programa deverá desenvolver-se entre 2021 e 2023 e terá duas fases: uma primeira para os imóveis mais expostos ao ruído nocturno, nos quais os níveis cheguem aos 65 decibéis (dB). Este é o valor que a lei do ruído estabelece para emissões durante o dia. Se estivermos a falar do período nocturno, esse limite desce para os 55 dB em geral e 45 dB para zonas sensíveis, como aquelas onde se encontram hospitais ou escolas.

Para a segunda fase, que deverá decorrer a partir de 2022, serão intervencionadas as habitações dos residentes que sofrem com ruído nocturno de 60 dB. Segundo a ANA, está ainda a ser realizado “um levantamento do edificado potencialmente elegível, das características do isolamento actual e definição de soluções-tipo”, não sendo possível avançar ainda com o número de edifícios que serão intervencionados. No entanto, para os equipamentos que se localizam em zonas especialmente sensíveis, como escolas, universidades e hospitais, a gestora dos aeroportos avança já ter identificado 22 edifícios. 

Na prática, a intervenção passará pela colocação de vidros duplos e arranjos nas caixas de estores de quartos e salas de estar. A ideia é avançar com o projecto no segundo trimestre deste ano, disse Thierry Ligonnière, mas faltam ainda definir os “termos e condições” que determinarão quem poderá aceder ao Programa de Isolamento Acústico. Estão neste momento “em validação pela Agência Portuguesa do Ambiente”, nota a ANA. 

Outra das questões que está ainda a ser estudada é o financiamento do programa. Segundo o presidente executivo da gestora de aeroportos, “estas medidas têm de ser financiadas através de uma fonte poluidor-pagador”. E, por isso, a ANA já avançou com uma proposta para “a criação de um Fundo de Mitigação dos Impactes Ambientais das Aeronaves”, aplicando-se o princípio de que devem ser as companhias aéreas a suportar, pelo menos, parte do programa. No entanto, esses “critérios de contribuição e respectivo modelo encontram-se ainda em desenvolvimento”. Para já, a a gestora dos aeroportos avança que o “fundo contará com dotação inicial da ANA”, mas não deve ser financiado por ela. “A ANA não é uma companhia aérea”, notou Ligonnière. 

Mais “flexibilidade"

Na mesma reunião, Thierry Ligonnière reconheceu existirem “incumprimentos”, mas defendeu que tem de existir “alguma flexibilidade” em relação à aterragem e descolagem de voos durante a noite, uma vez que há voos condicionados por “fenómenos meteorológicos”. “Os [voos] transatlânticos às vezes atrasam-se ou antecipam-se. Há este tipo de incertezas na aviação civil. É preciso esta flexibilidade”, disse. Por outro lado, há outras companhias condicionadas pela sua organização operacional e pelos seus mercados, obrigando a que os passageiros tenham de partir de Lisboa “às cinco ou às seis da manhã” para conseguirem chegar a tempo das ligações que saem de aeroportos em Amesterdão ou Paris, exemplificou. 

Em Julho de 2019, a associação ambientalista Zero avançou com medições de ruído no Campo Grande que concluíram que por diversos momentos foi ultrapassado o valor limite legal respeitante ao período nocturno, que é de 55 dB, e que o número de voos nocturnos foi também superior ao estabelecido. Apesar de a lei prever que não ocorra nenhum ruído durante a noite, foi criado um regime de excepção (Portaria n.º 303-A/2004), em 2004, que permite que entre a meia-noite e as 6h se façam 26 movimentos aéreos por dia até ao máximo de 91 por semana, estando a “autorização de movimentos aéreos, naquele período, condicionada aos níveis de ruído das aeronaves utilizadas”. 

Já em Março de 2020, a Zero repetiu a medição e concluiu que a legislação do ruído estava então a ser cumprida na zona do Campo Grande. O motivo foi evidente: o movimento de aeronaves no Aeroporto da Portela tinha reduzido consideravelmente devido à pandemia de covid-19. 

Para aliviar a pressão da Portela, o presidente da comissão executiva da ANA voltou a defender a importância de avançar com a construção do aeroporto do Montijo, esperando que o tráfego registado em 2019 chegue ao mesmo nível em 2024 ou 2025. “Achamos que é muito importante avançar [com a opção Montijo] para o alívio dos lisboetas em 2024, 2025”, sublinhou Thierry Ligonnière. 

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