Plano Nacional das Artes aumentou número de escolas aderentes mesmo com pandemia
A covid-19 foi um desafio para o Plano Nacional das Artes, que teve de antecipar algumas das medidas que tinha previsto desenvolver ao longo de dez anos. Cláudia Varejão está a trabalhar com escolas nos Açores.
O Plano Nacional das Artes (PNA) foi criado há dois anos, em Fevereiro de 2019, numa iniciativa conjunta dos Ministérios da Educação e da Cultura, mas só foi formalmente apresentado em Junho desse ano. Arrancou no ano lectivo de 2019/2020, com 65 agrupamentos de escolas aderentes, mas, em Março de 2020, a pandemia encerrou os estabelecimentos, que transitaram para o ensino à distância.
Em Novembro do segundo ano lectivo de existência, o PNA lançou um manifesto — “Este é o dia, esta é a hora: A cultura está suspensa este ano lectivo, certo? NÃO” —, promovendo a mensagem de que a escola é também um pólo cultural. E foram várias as escolas que responderam ao repto, multiplicando o número de adesões, indicou à Lusa o comissário nacional do PNA, Paulo Pires do Vale. “Deixou-nos muito felizes que, num ano como este, tenhamos mais do que duplicado o número de escolas: de um ano lectivo para o outro, começámos com 65 agrupamentos e já estamos com cerca de 148”, adiantou o comissário à Lusa.
“Um dos princípios básicos do Plano é quebrar o muro entre a escola e a comunidade e o mais fácil, nesta altura de pandemia, é levantar outra vez os muros. A situação é muito difícil, mas os princípios têm de começar a entrar”, afirmou o professor, ensaísta e curador.
O objectivo do PNA é aproximar as escolas da arte, da cultura e do património, chamando os artistas e agentes culturais para fazerem essa mediação. Estão previstas residências de artistas nas escolas para ajudar na criação de projectos sugeridos pela comunidade escolar, partindo de uma lógica de “territorialidade” e explorando o “património de proximidade”.
Parte-se do princípio de que “cada território vai ser diferente” — e o PNA não se dirige apenas às escolas. São também chamadas as associações, os artistas e mediadores culturais, as empresas, as autarquias e os poderes locais. Para que possam tirar proveito do plano, “é fundamental que tenham um projecto cultural e educativo para o seu território e que haja planos estratégicos municipais para a cultura e a educação”, explica Pires do Vale.
“Houve um erro, que foi achar-se que tínhamos de levar a cultura ao resto do país; ou seja, a cultura estava nos grandes centros e tínhamos de a levar ao resto do país. Não. Há cultura em todo o território. Temos de sublinhar que, já havendo cultura, temos de valorizar o que está aí, ou seja, abrir os olhos e ver o que está à nossa frente”, disse à Lusa.
E esse propósito já começa a ser cumprido nas escolas. “Curiosamente, a grande maioria das escolas que temos são fora dos grandes centros, o que também indica o interesse destes directores de escolas em chamar para estes lugares e ter consciência de que estes lugares, por vezes, podem ser menorizados.” Dos quase 150 agrupamentos escolares, “só há duas ou três escolas” na cidade de Lisboa envolvidas no PNA, refere o responsável.
Para esta missão, o Plano pretende servir-se de uma rede já existente, que inclui as Direcções-Gerais das Artes e da Educação, os estabelecimentos escolares, os Planos Nacionais de Leitura e de Cinema, os museus, as bibliotecas, os teatros e as fundações.
Numa altura de incerteza, este projecto reveste-se de especial importância, considera o comissário. “Estarmos a partir do princípio de que educamos as nossas crianças e jovens para um futuro que ainda não sabemos como vai ser é limitado. Temos de abrir as portas a esse desconhecido. E a imaginação, a criatividade e as expressões artísticas ajudam-nos muitíssimo”, afirma Paulo Pires do Vale.
Foi por isso que o PNA insistiu em não ficar suspenso. O programa, que está planeado para se desenvolver num espaço temporal de dez anos, foi posto à prova com o novo coronavírus e teve de se apressar. O “embate da pandemia levou a que alguns artistas que iam começar as suas residências tivessem de as suspender ou então passá-las para o digital, o que também foi muito interessante”, explica. “A pandemia obrigou-nos a repensar a estratégia. Aquilo que tínhamos pensado avançar mais adiante, nestes cinco anos, teve de ser antecipado. Por exemplo, o site com propostas de recursos educativos.”
Havia já conteúdos que tinham sido encomendados e estavam a ser desenvolvidos, mas muito do que o Plano oferece neste momento envolveu “bater às portas e perguntar: ‘O que é que vocês têm já disponível?’”, refere. “Em muitos casos, fomos buscar a instituições culturais pelo mundo fora. Aí, percebemos logo que havia muito por desenvolver em Portugal nos recursos digitais e nesta ligação através dos sites, nesta mediação digital.”
Agora, qualquer pessoa pode ter acesso aos recursos educativos no site do PNA, que estão agrupados pelos ciclos de estudo a que se dirigem e pela temática que abordam. Foi também criada a Academia PNA, que oferece acções de formação acreditadas a professores, agentes culturais ou agentes do poder local. Muitas dessas iniciativas transitaram para formato virtual. “Essas duas páginas foram centrais para continuar o trabalho”, defende o comissário.
“Foi a loucura”, afirma Pires do Vale. “Tivemos de fazer um sprint. Foi muito trabalhoso e muito exigente, para podermos dar uma resposta o mais rápido possível.” Mas conseguiram acelerar o passo, numa corrida que tem uma meta a dez anos, e que pretende “criar uma estrutura e não fazer micro eventos”.
Paulo Pires do Vale salienta a vontade de, através do PNA, capacitar professores, administrações e direcções de instituições, de movo a pensar o “compromisso cultural” de “um modo democrático”. O grande objectivo é que “o Plano possa desaparecer daqui a dez anos, porque já não é necessário, porque as instituições assumiram esse compromisso cultural e já há estruturas que permitam que o Plano não precise de continuar”.
Mesmo com este avanço forçado, “há muito trabalho para fazer e ele tem de se fazer desta maneira cuidada”. “Não podemos dar passos maiores do que a perna, temos de ser capazes de nos adaptarmos à realidade”, frisa.
PNA avança nos Açores com Cláudia Varejão
O PNA já veio “despentear” duas escolas em São Miguel, com a residência da realizadora Cláudia Varejão, e há outras duas escolas da ilha que se preparam para criar projectos no próximo ano. “É um plano muito precioso, no meu ponto de vista”, confessa a cineasta à Lusa. Parte de um eixo “transdisciplinar e indisciplinar”, que pretende mostrar que “as artes, o património e a cultura não são extracurriculares, mas devem ser pensados como curriculares”, explica Paulo Pires do Vale.
“Interessa-nos perceber como é que podemos desenvolver a escola toda como uma unidade em que já não se pense na fragmentação: os das artes para um lado, os das ciências para outro, os das humanidades para outro... Não. Interessa que se pense como é que a cultura pode ajudar-nos a ter este olhar transdisciplinar para a vida”, concretiza. A intenção do Plano, refere, é levar às escolas artistas que, em residência, sirvam de mediadores entre a escola e a cultura, ensinando “múltiplas linguagens a que devemos ter acesso”, mas que a escola muitas vezes descura, por se focar “numa lógica de ensino muito lógico-verbal”. Nas primeiras duas escolas açorianas a aderirem ao plano, a Escola Básica Integrada (EBI) da Maia e a EBI de Rabo de Peixe, ambas no concelho da Ribeira Grande, em São Miguel, essa pessoa será Cláudia Varejão.
“No fundo, eu sou uma pedra de toque, um pretexto para desviar o olhar para o lado, quando, muitas vezes, numa escola, estamos a olhar mais numa direcção, inevitavelmente, porque há um programa a cumprir. [O Plano] vem um bocado despentear os cortes de cabelo a esta gente toda”, defende a artista.
O PNA chegou aos Açores há cerca de um ano, quando foi celebrado o protocolo entre o Governo da República e o Governo Regional dos Açores, que ligou a região ao PNA. A semente foi lançada através da iniciativa “De Fenais a Fenais”, do Museu Carlos Machado e da Direcção Regional da Cultura, que quer levar a cultura às freguesias de Fenais da Luz, Rabo de Peixe, Maia e Fenais da Ajuda para combater a exclusão social. Por isso, e porque o Plano parte sempre de “uma manifestação de desejo das escolas”, as primeiras no arquipélago a arrancar com projectos são as da Maia e de Rabo de Peixe.
“O PNA tenta ir ao encontro dos desejos da escola. A ideia é que nada venha de fora, que seja tudo o que pulsa de dentro e vem para fora. Em integração e em relação com todo o tecido exterior”, explica Cláudia Varejão. O objectivo era que a realizadora, que está em São Miguel para rodar o seu novo filme, Lobo e Cão, iniciasse já a sua residência em ambas as escolas, onde será mentora do projecto a desenvolver, mas Rabo de Peixe está, pela segunda vez, sob cerca sanitária, e tem todas as escolas encerradas.
A artista deu início ao trabalho presencial na Escola da Maia, mas, numa altura em que já reabriram quase todas as escolas da ilha, mantêm-se encerradas as dos concelhos da Ribeira Grande e de Vila Franca do Campo. Já houve, no entanto, “alguns encontros com turmas e com professores”. “Vamos trabalhar em torno do tema da água e de alguns fontanários que fazem parte do património da zona da Maia”, adiantou.
Depois de encontrado o tema, é preciso “tentar transcendê-lo”, e é isso que Varejão vai ajudar a comunidade escolar daquela unidade orgânica a fazer, privilegiando as ferramentas que domina, “a imagem e a imagem em movimento”. “Eu diria que estaremos a construir alguma coisa em torno de um filme, de fotografia, com algum trabalho sonoro. Creio que o caminho será nesse sentido, vamos ver onde podemos chegar”, esclarece.
Nesta altura estão duas turmas envolvidas no projecto, mas já há vontade de expandir o alcance desta iniciativa a mais pessoas da comunidade escolar, contou à Lusa a coordenadora do PNA nos Açores, Maria Emanuel Albergaria. A responsável adianta que, na escola de Rabo de Peixe, há outras duas turmas interessadas em participar. Assinala também que o trabalho “está a concretizar-se online” e que “a residência será iniciada mais para a frente, dentro de dois, três meses”.
A coordenadora adianta igualmente que já há mais duas escolas interessadas em aderir ao PNA em São Miguel: a EBI das Capelas, através da comunidade educativa Novas Rotas, e a Escola Secundária Antero de Quental, ambas em Ponta Delgada. O programa pretende criar uma rede de sinergias com as estruturas que já existem, como já aconteceu com o projecto “De Fenais a Fenais”, e por isso convida vários agentes, desde autoridades locais a associações ou instituições culturais e empresas.
Para já, “a Câmara Municipal de Ponta Delgada, através da vereação da cultura, vai apoiar no financiamento de um artista residente”, avança a responsável. “Queríamos sobretudo, agora, apresentar, dar a conhecer o Plano, que acho que ainda não é suficientemente conhecido, nomeadamente ao novo Governo e às próprias autarquias”, refere, salientando que “o desejo é que o nosso Plano se expanda pelo território regional”.