Só as livrarias não vão poder vender livros
O Governo deverá acatar a alteração proposta por Marcelo Rebelo de Sousa e permitir a venda de livros nos espaços autorizados a estar abertos. Isto se António Costa não estiver apenas a falar de livros escolares, já que as suas declarações não esclareceram cabalmente a dúvida deixada pelo decreto presidencial.
“Dizem que querem defender o livro, mas permitem a venda em todos sítios e só as livrarias não podem vendê-los? É estranho, é mesmo muito estranho”, comenta José Pinho, presidente da Rede de Livrarias Independentes (RELI), após ter lido o decreto do Presidente da República (PR) e de ter ouvido António Costa confirmar esta quinta-feira, após o Conselho de Ministros, que o Governo foi proibido de proibir a venda de livros em espaços que, por venderem produtos considerados essenciais, estão autorizados a abrir ao público.
E o primeiro-ministro confirmou que o Governo não considera o livro um bem essencial, já que, ao responder a um jornalista no final da conferência de imprensa, explicou: “Mantém-se tudo como está. Não há venda de nenhum bem não essencial. A única excepção é a que resulta do decreto do Sr. Presidente da República, que nos proibiu de proibir as vendas de livros escolares, de livros e material escolar, nos estabelecimentos que se mantêm abertos, ou seja, supermercados e hipermercados”.
Uma formulação que não afastou as incertezas deixadas pelo decreto presidencial, cujo texto não excluía sem margem para dúvidas a leitura de que a alteração proposta pudesse referir-se apenas aos livros escolares. Logo a seguir, António Costa, explicando que o Governo tem de “respeitar as limitações impostas pelo decreto presidencial”, reafirmou: “Estando proibidos de proibir a venda desses livros, nós temos de permitir a venda desses livros – de livros e material escolar – nos supermercados e hipermercados.
Pedro Sobral, vice-presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, que já não tinha dúvidas de que o PR pretendera englobar todos os livros na excepção que propôs, acha que também o primeiro-ministro leu desse modo o decreto, mas espera agora pelo diploma do ministro da Economia para confirmar “se, como e a partir de quando” os livros irão efectivamente poder começar a ser vendidos em todos os espaços que não foram obrigados a encerrar, e que, para lá dos hipermercados e supermercados, inclui cadeias de lojas como a FNAC ou a Note, estações de correios, bombas de gasolina ou tabacarias, além de todas as livrarias que também vendam jornais e revistas, como acontece, por exemplo, com a Livraria Barata em Lisboa, que presumivelmente irá passar a poder vender também livros.
Se o diploma de Pedro Siza Vieira – que proibira a comercialização de livros em todos estes locais argumentando que fariam concorrência desleal às livrarias – vier a confirmar este cenário, a desconcertada constatação do presidente da RELI terá toda a razão de ser: só as livrarias, e dentro dessas apenas as que vendem exclusivamente livros, ficarão impedidas de os vender. A menos, claro, que resolvam o problema passando a vender jornais ou outros bens que lhes permitam abrir portas ou vender ao postigo.
No que a APEL e RELI estão inteiramente de acordo é que a previsão, também adiantada por António Costa na conferência de imprensa, de que o confinamento irá manter-se sem grandes mitigações por um período considerável, provavelmente até Abril, promete um cenário catastrófico para as livrarias.
“Depois do ano que vivemos, estarmos mais dois ou três meses sem poder vender livros é gravíssimo”, diz José Pinho. “Quero ver o que pensam agora todas essas pessoas que se fartam de dizer que o livro é essencial”.
“Tudo isto terá um impacto negativo brutal”, concorda o vice-presidente da APEL, que salienta a necessidade de “apoios significativos” e manifesta a disponibilidade da associação para trabalhar com o Governo numa calendarização da abertura das livrarias.