Covid-19: pandemia reduz para um terço as viagens do Ano Novo Chinês
A maior migração temporária de pessoas volta a diminuir por causa da covid-19. As habituais três mil milhões de viagens desta época devem ficar-se por 1,15 milhões segundo os cálculos do Ministério dos Transportes. Chineses recebem em casa o ano do boi.
Pang Qingguo não vê a sua filha de sete anos há mais de um ano, mas ficará em Tangshan. Shi Baolian sente falta do pai e dos fogos-de-artifício da sua vila, mas permanecerá em Suzhou com o marido. Zhu Xiaomei costuma por esta altura enfrentar as 30 horas de viagem de comboio até casa, mas terá de se contentar em comemorar o novo ano lunar no seu pequeno dormitório de Hangzhou. Du Zini já sonhava com a paz e descanso da sua cidade-natal, mas cancelou o voo e não sairá de Nanning.
A maior migração humana temporária do planeta deve ficar-se este ano pelas 1,15 mil milhões de viagens, de acordo com os cálculos do Ministério de Transportes da China. Um número que representa uma diminuição de 22% face a 2020 e de 60% quando comparado com 2019, ano em que não houve quaisquer restrições.
As celebrações do Ano Novo Lunar, que começam esta sexta-feira, são uma ocasião única para os chineses regressarem à terra para rever família e amigos. Os milhões que migraram do campo para as grandes cidades, para alimentar o crescimento económico chinês e melhorar as suas condições de vida, usam esta altura, em que com o novo ano também começa a Festa da Primavera, para a peregrinação anual aos seus pontos de origem.
"Regresso a casa para o Ano Novo Lunar" / South China Morning Post
Mas as restrições impostas pelas autoridades chinesas estão a dificultar e, em alguns casos, até proibiram as viagens entre regiões. E, assim, as estações de comboio, de autocarro ou os aeroportos, nesta altura habitualmente à pinha, estão este ano mais uma vez vazios.
Após vários meses com o vírus sob controlo, a China voltou a ter uma onda de contágios em Janeiro que se tornou no maior surto desde Março do ano passado. De forma a desincentivar as deslocações em massa da população, as autoridades têm lançado campanhas a apelar à responsabilidade para com o país, ao zelo pelo próximo.
Os cartazes espalhados pelas cidades trazem frases como “trazer o vírus de volta não é filantrópico. Passá-lo aos seus pais é irracional” ou “os convidados à sua porta este ano serão os visitantes da sua campa no próximo ano”.
Além das campanhas de sensibilização, o Governo central incentiva a atribuição de subsídios e benefícios àqueles que decidam permanecer no seu local habitual de residência e não viajar. Isenção de taxas nas devoluções dos bilhetes de viagem, utilização gratuita de dados móveis ou mesmo a distribuição de montantes de 1000 yuan (€127) por pessoa, são alguns dos incentivos mencionados pelo jornal de Hong Kong South China Morning Post.
Para evitar novos contágios descontrolados, o Governo chinês definiu medidas concretas que limitam as movimentações entre regiões. Enquanto pessoas provenientes de áreas de alto risco estão expressamente proibidas de viajar, as de médio risco precisam de apresentar um teste negativo ao coronavírus nas 72 horas anteriores à viagem, bem como uma autorização específica das autoridades do local para onde querem ir. As populações das zonas de baixo risco podem deslocar-se, ainda que tal não seja aconselhado, desde que tenham um teste negativo feito há não mais de sete dias.
Estas medidas aplicam-se a todo o país. E juntam-se a outras adoptadas pelas autoridades locais, como quarentenas obrigatórias que têm de ser cumpridas em casa ou em “centros de observação”.
Todas essas restrições variáveis que dependem de região para região, de cidade para cidade, levantaram muitas críticas e perguntas cépticas.
“As condições médicas nas vastas zonas rurais permitem que todos façam um teste de coronavírus a cada 7 dias? Não serão os aglomerados, que se formam durante os testes de coronavírus, um maior risco de infecção? Além disto, o Estado só nos dá sete dias de férias legais e agora pede-se aos retornados que fiquem isolados durante 14 dias. De que são feitos os vossos cérebros?”, lê-se numa publicação na rede social chinesa Weibo, citada pela CNN.
A par da população, também Pequim desaprova o aperto das medidas a nível local. “É essencial prevenir e controlar a pandemia cientificamente e com precisão. Impor requisitos adicionais às pessoas que viajam para casa é ser preguiçoso”, disse Mi Feng, porta-voz da comissão nacional de saúde da China, citado pelo South China Morning Post.
Alguns analistas dizem, refere o Washington Post, que o Governo central tem aproveitado estas restrições impopulares para deitar as culpas nas autoridades locais, tal como já antes fez em relação ao começo da pandemia, e assim desviar o foco das atenções. Mesmo que haja indicações de que os altos mandos do Governo e do Partido Comunista Chinês, incluindo o Presidente Xi Jinping, sabiam da crise sanitária que tinham em mãos muito antes de avisarem a população.
As celebrações do Ano Novo Lunar prolongam-se durante uma semana e o período das viagens, designado por chunyun, vai de final de Janeiro até Março.
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Os dados da Autoridade da Aviação Civil da China mostram que no dia 28 de Janeiro, o primeiro dia oficial das viagens, o tráfego de passageiros foi 71% inferior a 2020. Mesmo assim o cálculo de 1,15 mil milhões de viagens mantém-se como estimativa oficial.
Além das viagens, os milhões de testes ao coronavírus que serão feitos irão trazer uma fonte de lucro adicional à economia da China. Segundo os dados da empresa HuaAn Securities, os testes envolvidos neste chunyun vão contribuir com 15 a 30 mil milhões de yuan para os fabricantes de kits de teste e mais 60 a 120 mil milhões de yuan para as entidades hospitalares.
Além de Pang Qingguo, Shi Baolian, Zhu Xiaomei e Du Zini, muitos milhões de chineses optaram por festejar este Ano Novo Lunar longe da família. Muitos festejarão sozinhos a entrada no ano do boi, tendo de se valer a si próprios na tradição de “expulsar os espíritos malignos”.
Texto editado por António Rodrigues