Rendas levam centros comerciais a apresentar nova queixa à provedora de Justiça
Em causa a norma interpretativa aprovada no Parlamento, que obriga os centros comerciais a devolver valor pago pelos lojistas no período de encerramento dos estabelecimentos.
A Assembleia da República aprovou e o Presidente da República promulgou, embora com algumas reservas, a medida que vai obrigar os centros comerciais a devolver dinheiro aos lojistas, relativamente às rendas pagas durante o estado de emergência, de Março a Julho de 2020, período em que os espaços estiveram encerrados. Mas a Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC) considera o novo diploma inconstitucional, e volta a pedir à provedora de Justiça para solicitar a sua apreciação pelo Tribunal Constitucional.
Trata-se do segundo pedido de inconstitucionalidade. O primeiro envolveu a norma (n.º 5 do artigo 168.º-A da Lei do Orçamento do Estado para 2020) aprovada no Parlamento, sem votos contra, que alterou o regime de arrendamento nestes espaços, impondo o pagamento apenas da componente variável, ou seja, em função das vendas, e isentando de pagamento a parte fixa.
A lei, que entrou em vigor a 25 de Julho e vigorou até Dezembro, não previa especificamente a sua retroactividade a Março. Neste caso, a provedora de Justiça entendeu que se justificava o pedido dos centros comercias, suscitando a apreciação de inconstitucionalidade junto do Tribunal Constitucional, de que se aguarda decisão.
No segundo pedido está em causa a retroactividade da norma. É que os lojistas, representados pela Associação de Marcas de Retalho e Restauração (AMRR) entenderam que a alteração ao regime de arrendamento se deveria aplicar desde a data de encerramento dos estabelecimentos, finais de Março, e não apenas a partir da publicação da lei, em Julho. E o diploma que visou a clarificação da norma, com vista a essa retroactividade, foi aprovado no Parlamento e já está em vigor. Trata-se, da Lei n.º 4-A/2021, de 1 de Fevereiro.
Em comunicado divulgado esta quinta-feira, a associação que representa a maioria dos centros comerciais pede a fiscalização da constitucionalidade da norma interpretativa da lei das rendas variáveis, apontando as “dúvidas” levantadas pelo Presidente da República.
Lembra a APCC que Marcelo Rebelo de Sousa, ao promulgar a lei “chamou à atenção para o facto de a senhora provedora de Justiça ter requerido a fiscalização da constitucionalidade ao Tribunal Constitucional, e que a decisão do Tribunal Constitucional não poderá deixar de produzir os mesmos efeitos quanto à presente norma interpretativa”.
Entende a associação que o n.º 5 do artigo 168.º-A da Lei do Orçamento do Estado para 2020 não previa a retroactividade da sua aplicação – “é claro que se impunha o princípio da não-retroactividade das leis”, defende. Para a APCC “a solução jurídica decorrente da norma interpretativa é também inconstitucional e passível de um juízo de censura autónomo, pelo que decidiu apresentar nova queixa”.
As queixas da APCC junto da provedora de Justiça são baseadas nos pareceres jurídicos elaborados pelos constitucionalistas Jorge Miranda, Rui Medeiros e Jorge Reis Novais.
Centros comerciais pedem apoios
A retroactividade a 13 de Março da redução das rendas aumenta para mais de 600 milhões de euros os descontos dados desde o início da pandemia pelos operadores dos centros comerciais aos lojistas em 2020, avançou a APCC, lembrando que os descontos sobem para 67%, quando as perdas de vendas dos lojistas “se estimam na ordem dos 35 a 40% para o mesmo período, sobretudo impactadas pelas perdas nas salas de cinema e sector da restauração”.
A associação acrescenta que “metade do valor é atribuído às grandes cadeias internacionais, que representam metade das lojas instaladas, seguindo-se os grandes grupos nacionais (27% das lojas), com cerca de 162 milhões, e apenas 138 milhões a serem encaminhados para os pequenos e médios lojistas nacionais e, destes, apenas 36 milhões para os pequenos lojistas locais (apenas 6% das lojas em centros comerciais)”.
A APCC, que já pediu ajudas directas ao sector, refere que, “sem qualquer tipo de compensação, as empresas proprietárias dos centros comerciais ficam numa difícil situação financeira”.