Parlamento Europeu pede a Van Dunem toda a documentação sobre nomeação de procuradores
Didier Reynders, comissário europeu da Justiça, vai à Assembleia da República falar sobre o relatório do estado de direito da Comissão Europeia, mas antes referiu-se ao caso dos procuradores.
Dois dias antes de uma nova audição de no Parlamento Europeu (PE), para a apresentação das prioridades da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia na área da Justiça, Francisca Van Dunem recebeu uma carta assinada pelo presidente da comissão das Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos, a solicitar o acesso a todos os documentos internos relativos ao processo de discussão, deliberação e posterior nomeação dos três procuradores europeus que não foram os candidatos escolhidos pelo júri do painel de selecção dos membros da nova Procuradoria Europeia.
Em concreto, os eurodeputados querem consultar os currículos dos candidatos apresentados pela Bélgica, Bulgária e Portugal, e ainda as cartas de justificação, e as minutas de todas as “reuniões relevantes” do Conselho da UE, onde o processo de nomeação foi debatido.
“A transparência total sobre a forma como os procuradores europeus foram seleccionados e nomeados é importante”, escreve Juan López Aguilar, que lembra que essa mensagem foi reforçada pelo Parlamento Europeu há uma semana, durante uma audição relativa à constituição do novo órgão judicial europeu responsável por assegurar a integridade do orçamento comunitário, e onde Francisca Van Dunem foi inquirida sobre a nomeação do procurador José Guerra por Portugal.
Antes deste pedido do PE ser divulgado, o comissário europeu da Justiça vincou que cabe ao Conselho da União Europeia (UE) validar a nomeação do magistrado português para a Procuradoria Europeia, notando que se essa decisão for contestada, a última palavra é do Tribunal Europeu.
“Caberá ao Conselho dizer alguma coisa e validar ou não a decisão tomada. Parece que as discussões vão no sentido dessa validação, mas essa é uma questão para o Conselho e para o secretariado-geral do Conselho analisar. E, por outro lado, caberá ao Tribunal Europeu de Justiça tomar uma decisão” perante um eventual recurso”, afirmou Didier Reynders em entrevista à agência Lusa, em Bruxelas.
Instado pela Lusa a comentar a polémica nomeação do magistrado português José Guerra para a Procuradoria Europeia, que já teve repercussões internacionais, o comissário europeu vinca que o executivo comunitário “não faz parte” deste processo, mas diz que “o Tribunal Europeu de Justiça poderá pronunciar-se tendo por base acções apresentadas por parte de algum dos candidatos”.
“Essa é a lógica em todas as nomeações de juízes, de haver um recurso perante a justiça”, acrescenta Didier Reynders, lembrando que em polémicas semelhantes, nomeadamente na Bélgica, um dos candidatos preteridos recorreu já ao Tribunal Europeu de Justiça para contestar a decisão desse país.
Já sobre a situação em Portugal, o responsável adianta que esta “é uma competência do Conselho — a lei é bastante clara nisto — e caberá ao Conselho dizer se foi ou não um problema ter decidido com base nessa informação” errada.
A ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, tem estado no centro de uma polémica depois de, numa carta enviada para a UE, em Novembro de 2019, o Governo ter apresentado dados errados sobre o magistrado preferido do executivo para procurador europeu, - após selecção do Conselho Superior do Ministério Público -, mas depois de um comité europeu de peritos ter considerado Ana Carla Almeida a melhor candidata para o cargo.
Nesta entrevista à Lusa, Didier Reynders reforçou que “esta é uma competência do Conselho [da UE] e não houve qualquer intervenção da Comissão”, notando que, assim que tomou conhecimento das “discussões em Portugal e no Parlamento Europeu sobre a designação” portuguesa, pediu informações a Francisca Van Dunem.
“Tive logo uma chamada telefónica com a ministra para verificar quais eram as principais questões e recebi algumas explicações sobre isso”, disse o comissário europeu à Lusa.
Reagindo aos pedidos para acesso aos documentos por parte do Parlamento Europeu, Didier Reynders indicou que também essa é uma “decisão do Conselho” e que, se houver necessidade de alterar o regulamento para nomeações, isso terá de ser decidido pelo Tribunal Europeu de Justiça.
Ainda assim, Didier Reynders garantiu à Lusa não estar “preocupado sobre o correcto funcionamento da Procuradoria Europeia, porque [...] há sempre a possibilidade de mudar a situação” das designações.
“Estou bastante confiante da qualidade da Procuradoria Europeia e a minha única preocupação é o início das operações”, adiantou, esperando que isso aconteça este semestre, aquando da presidência portuguesa do Conselho da UE.
O magistrado português José Guerra foi nomeado em 27 de Julho de 2020 procurador europeu nacional na Procuradoria Europeia, órgão independente da UE de combate à fraude. Caberá, por exemplo, a este órgão fiscalizar o uso das verbas ao abrigo do Fundo de Recuperação da crise gerada pela covid-19, orçado em 750 mil milhões de euros.
O belga Didier Reynders é ouvido, hoje à tarde, numa audição na Assembleia da República sobre o Relatório do Estado de direito apresentado em Setembro de 2020 pela Comissão Europeia.