A cultura a manifestar-se online: “É como no teatro, a gente diz que está na rua e está na rua”

Confinados, os agentes culturais manifestam-se nas redes sociais. Ao longo deste sábado, vão-se multiplicando mensagens, vídeos, ilustrações, música e fotografias: vozes em casa que se fazem rua cheia.

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O sindicato Cena-STE foi uma das dezenas de estruturas responsáveis pela convocação da manifestação Facebook
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A coreógrafa e performer Ana Borralho Facebook
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António Jorge Gonçalves participou no protesto com uma ilustração António Jorge Gonçalves
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O IndieLisboa assinala a data em claquete Facebook
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Amarílis Felizes, dirigente da Plateia, outra das associações responsáveis pela marcação da manifestação Facebook
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O DocLisboa trouxe a câmara para a varanda para filmar a rua Facebook
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O Teatrão, em Coimbra Facebook

Se a rua está interdita pela pandemia, então cada um deles, os trabalhadores da cultura, as estruturas em que trabalham ou com que trabalham, e as associações que os representam tornam-se uma gigantesca rua virtual. Marcada para este sábado, 30 de Janeiro, a manifestação convocada por mais de três dezenas de associações e estruturas do sector, alertando para as trágicas consequências da pandemia e exigindo do Governo o apoio necessário à sua sobrevivência e ao seu futuro, transferiu-se para as redes sociais. Desde a meia-noite que, sob a hashtag #naruapelofuturodacultura, se multiplicam os posts com mensagens, vídeos, ilustrações, fotografias dando voz às casas ou ao isolamento que se fazem rua.

“É como no teatro, a gente diz que está na rua e passa a estar na rua”, lemos entre as centenas de posts que se vão acumulando. No caso, trata-se do de Amarílis Felizes, dirigente da Plateia –​ Associação de Profissionais das Artes Cénicas, que à hashtag da manifestação, “na rua pelo futuro da cultura”, acrescenta, “e pela dignidade de toda a gente no presente”. Tal como outros manifestantes, divulga o texto da convocatória, elencando as razões que conduziram ao protesto.

Ali se dá conta da urgência no presente: “Protestamos porque estamos praticamente há um ano com a actividade profundamente condicionada pela pandemia, o que evidenciou as brutais consequências de toda uma vida de precariedade laboral, de falta de direitos e de protecção social, que nos conduzem, sem alternativa, à carência económica e a situações de endividamento.” E, mais à frente, alerta-se para o futuro: “Protestamos porque a importância vital das artes e da cultura não pode ser posta em causa e para isso é preciso garantir a sobrevivência de profissionais e estruturas. Exigimos medidas de protecção social garantidas a todas as pessoas, sem deixar ninguém de fora. Exigimos um rendimento acima da linha da pobreza e que se prolongue até ao levantamento de todas as normas de condicionamento da actividade profissional.”

As manifestações surgem de todas as áreas artísticas, do teatro, do cinema, da fotografia, da música, das artes plásticas, e dos mais diversos profissionais indispensáveis a que cada uma delas possa funcionar. Recuperam-se fotos de peças, de coreografias e de concertos que sirvam de ilustração à situação dramática e à revolta sentida, recuperam-se figuras tutelares da cultura portuguesa, de Mário Cesariny a José Afonso, lançam-se gritos fixados em foto como palavra de ordem gritada na rua, como o da actriz Isabél Zuaa, surgem ilustrações, como a de António Jorge Gonçalves, em que alguém tenta suportar o peso esmagador que o ameaça liquidar, e mostra-se a dança a continuar, ainda que confinada (a dos jovens bailarinos da Academia de Dança de Matosinhos).

O coreógrafo João Fiadeiro transforma a sua corrida higiénica pelas ruas de Lisboa em prova de resistência e persistência, uma forma, diz, de manter a sanidade; os membros do Teatrão, em Coimbra, mostram-se, máscaras no rosto, às portas da sala de ensaios do teatro agora encerrado. Mostram-se os cartazes de vizinhos solidários, como o fez a jornalista cultural, crítica de dança e escritora Cláudia Galhós, ocupam-se solitariamente as ruas das cidades e ganham dimensão de manifesto aqueles pequenos corpos isolados na imensidão urbana despida de gente que vamos vendo ao longo da tarde. Vídeo, fotografia, performance, música, instalações, pintura. Rostos e palavras. Com as ruas fechadas a encontros colectivos, a manifestação prosseguiu (online) e continuou a fazer-se ouvir.

“Mesmo que o protesto não estivesse, como não poderia estar, proibido, decidimos não ir para a rua por razões que têm a ver com o confinamento, e porque, perante os números da pandemia, não poderíamos insistir numa acção que se tornaria improdutiva”, disse esta sexta-feira ao PÚBLICO Rui Galveias, coordenador do Cena-Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE). Alertou, porém, que a necessidade e a urgência do protesto se mantêm. Os organizadores entendem que as medidas anunciadas há duas semanas pelo Governo para fazer face à emergência (o Ministério da Cultura anunciou um fundo de apoio de 42 milhões de euros) “deixam ainda muita gente de fora, e muita coisa por cumprir”.

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