Retratos da pandemia

Já sabemos de crises anteriores: respostas mínimas dão origem à crise máxima. Porquê teimar em cometer os mesmos erros?

Aulas passam a online no regresso das atividades letivas. O dia 8 de fevereiro marca esse dia em que o virtual se torna real. Esperem, conclusão apressada. Afinal, há virtual que se mantém: os computadores prometidos pelo Governo continuam longe da realidade que milhares de estudantes irão enfrentar.

Em abril passado, o primeiro-ministro prometeu que o novo ano letivo começaria com um computador para cada aluno. Só que em setembro a promessa não passava disso mesmo. As escolas abriam as portas sem que os alunos tivessem os computadores. Chegou o segundo período e a pandemia deu as mãos a um novo confinamento. E agora que os computadores eram fundamentais, continuam em falta. Será em março, prevê desta feita o Governo. Acredite quem quiser, que eu já estou escaldado.

Faltam os computadores às famílias, sobram as despesas. As crianças em casa trazem mais conta da luz no final do mês, mais gastos na vida doméstica. O aquecimento tem peso na fatura e na carteira. E a Internet, que nem chega a todo o país, é mais uma parcela da soma. Bem, neste caso não soma, subtrai: a insustentável leveza da carteira torna-se peso na consciência.

Ficar em casa para cuidar das crianças é uma obrigação que leva parte do salário. O fecho das creches ou do ensino básico leva 33% do rendimento. As escolas fecham porque o Governo manda e vai um terço do ordenado. Já o layoff que fecha as empresas e locais de trabalho porque manda o patrão é pago por inteiro, mas com o mesmo esforço do Estado. Qual a justiça? Não compreendo e, por isso, não consigo explicar. Como as duas decisões não competem a quem trabalha, deviam ser pagas a 100%.

Na bula do teletrabalho não vinha a contraindicação do seu lado lunar. As contas que antes eram da empresa, agora são partilhadas pelo trabalhador. A secretária, a cadeira, o café, a água, tudo fica por conta da casa – do trabalhador, claro está. E as horas de entrada e de saída parecem de fusos horários estranhos. Onde antes havia um padrão, agora há o trabalho que não acaba, o email que chega a qualquer hora, o telefone que já não se desliga.

A fila do hospital, o sacrifício dos profissionais de saúde, os tratamentos adiados, os doentes amontoados. Os enfermeiros que emigraram fazem hoje tanta falta. Os médicos que não soubemos agarrar no SNS espreitam agora nas olheiras de quem resiste de forma sobrehumana. Os técnicos auxiliares que não contratamos são os que falham para ultrapassar o tsunami.

E a loja que está fechada, o restaurante que não abre portas, a sala de concertos sem espetáculos, a livraria que fechou os livros? Quem lhe dava vida foi mandado para casa, sem saber ao certo se (em que dia?) regressaria. Os apoios dizem que existem, mas não chegam a horas, muitas vezes nem chegam a quem deles precisam. Grande a necessidade para tão escasso apoio. É a economia a definhar, o emprego a minguar, a pobreza a espreitar.

Os retratos da pandemia conseguiriam encher várias páginas deste jornal. São exemplos de quem fica para trás porque a pandemia abalou os pilares de sustentação de muitas famílias. As desigualdades crescem a cada sobressalto. Isso é porque as políticas públicas, que seriam fundamentais para responder às várias necessidades neste período de crise, pecam sempre por defeito. Pouca vontade para tanta necessidade.

Hoje já sabemos que não precisava de ser assim. As contas públicas de 2020 mostram como o Governo não gastou sequer o que tinha previsto. Isso não foi porque a crise foi menor, foi porque o Governo deixou mais famílias abandonadas à sua sorte, deixou a economia mais desprotegida do que prometeu ou os serviços públicos sem o investimento necessário. Três mil e quinhentos milhões de euros de diferença face ao que tinha estimado – um orçamento suplementar inteiro que ficou por executar. São apoios que se atrasam ou nem chegam a lei, são empregos que não se salvam, são famílias que não se protegem, é investimento público por fazer.

Já sabemos de crises anteriores: respostas mínimas dão origem à crise máxima. Porquê teimar em cometer os mesmos erros?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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