Paulo Oom: “Abaixo dos 12 anos seria possível manter as escolas abertas”
O chefe da Pediatria do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, diz que a procura da urgência pediátrica caiu neste Inverno 75% em relação há um ano. Não só a pandemia tem afectado menos as crianças, como os cuidados mantidos por causa da covid-19 levaram a uma diminuição das doenças infecciosas respiratórias, comum nesta altura do ano.
A pandemia não só afecta menos as crianças, como levou a uma diminuição nas urgências desnecessárias, que retiraram pressão dos cuidados médicos pediátricos. Face à redução do serviço, o chefe da Pediatria do Hospital de Loures, Paulo Oom, e um grupo de médicos da sua equipa estão a apoiar, de forma voluntária, os colegas que lidam com doentes adultos com covid-19. O pediatra explica ao PÚBLICO o que motivou essa decisão e defende que as crianças até aos 12 anos deviam estar nas escolas.
Que impacto tem tido a pandemia ao nível dos cuidados de saúde de pediatria?
Felizmente, esta pandemia ataca pouco as crianças. Quando ataca, a maior parte é assintomática. Quando têm sintomas, a maioria tem sintomas ligeiros. Depois há um ou outro caso mais grave, mas que é a verdadeira excepção. Muitas vezes, as pessoas têm uma perspectiva errada, porque esses são casos mais visíveis nos noticiários. Isto pode criar algum pânico entre a população. Mas há milhares de casos na pediatria que não são graves de que nunca ninguém ouve falar e depois há uma grande notícia sobre aquele caso da criança internada com um quadro grave por covid-19 e as pessoas ficam só com esse caso na memória. É uma percentagem muito baixo. Apesar de termos uma população de crianças ainda bastante grande, tivemos muito poucos casos desses. Nem uma dezena. Isto é assim a nível mundial, com variações de percentagem de país para país, mas sempre muito residuais.
Mesmo com a nova variante britânica?
A nova variante espalha-se mais rapidamente, mas espalha-se mais rapidamente em todos os grupos etários. É mais contagiosa, portanto dissemina-se mais, mas isso é válido para todos os grupos etários. Aquilo que eu dizia no início — as crianças não têm sintomas ou têm sintomas ligeiros — mantém-se com a nova variante.
Que impacto está a ter a covid-19 nas urgências pediátricas?
Vou dar-lhe o contexto, que é muito importante. Em condições normais, sabíamos que cerca de 80% das visitas à urgência eram desnecessárias. Eram coisas que podiam ser resolvidas por telefone, contactando o médico assistente ou o pediatra. Isto acontece tradicionalmente, há décadas, porque é um recurso gratuito e facilmente disponível. Portanto, as pessoas usam e abusam.
De quantas idas às urgências falamos, num contexto normal, sem pandemia?
Quanto maior a oferta, maior a procura. O Hospital de Santa Maria, [em Lisboa] tinha 150 urgências pediátricas por dia, antes de aparecer o Hospital Beatriz Ângelo, [em Loures], que ficou com uma parte da área antes coberta pelo Santa Maria. Este hospital baixou o número de urgências de 150 para 100 por dia e o Hospital Beatriz Ângelo tem 200 por dia. A mesma população, quando surge mais oferta, passa de 150 para 250 urgências diárias. A oferta gera procura.
A pandemia veio acabar com estas urgências desnecessárias?
Aconteceram duas coisas. As pessoas passaram a ter medo de ir ao hospital, o que por si só fez elevar a exigência dos motivos para ir à urgência. Em vez de ir à urgência porque a criança começou com febre há três horas, vai-se à urgência porque a criança está com febre há três dias.
Segundo aspecto: foi implementado o uso de máscaras, o distanciamento e as regras de etiqueta. Portanto, as crianças a partir dos 12 anos usam máscaras nas escolas e protegem-se não só da covid-19, como de todas as doenças infecciosas respiratórias, que são de longe as mais prevalentes em pediatria nesta época do ano. Isso por si só levou a uma diminuição brutal do número de crianças doentes. Este ano não estamos a ver as constipações e gripes, que seriam habituais nesta época.
Estamos, portanto, a falar de um fenómeno triplo: a covid-19 afecta menos as crianças; há uma redução das urgências desnecessárias e uma redução efectiva das doenças.
Se fosse só o medo de vir à urgência, o que iríamos verificar era que o número de internamentos se mantinha constante. Ou seja, só viriam à urgência os doentes que necessitavam e esses eram os que ficavam internados. Mas o que nos verificamos é que o número de internamentos também diminuiu bastante, porque há menos doenças infecciosas por causa das precauções.
No seu serviço, qual é a redução quer das doenças infecciosas, quer dos internamentos?
Há um ano, tinha na urgência cerca de 250 crianças por dia e, no período homólogo, temos 60 crianças por dia. Uma redução brutal. Em termos de internamentos, temos 24 camas, das quais 20 estariam ocupadas. Estão quatro ou cinco ocupadas.
Os cuidados pediátricos estão longe de estar na situação de agonia em que estão os cuidados dos adultos?
Completamente! Não estão em situação de agonia, muito pelo contrário. A pandemia não nos passa ao lado, porque todos os dias nas urgências temos crianças que têm covid-19, mas nada disto é comparável, de todo, com o que se passa com a medicina de adultos.
É isto que permite uma opção como a que foi tomada no Beatriz Ângelo de reduzir as camas de internamento de crianças e vocacioná-la para o reforço dos adultos.
Nós temos, habitualmente, 24 camas e foram cedidas 14 para o internamento de adultos. No caso específico são adultos “não-covid”, porque as camas normais dos adultos foram transformadas em “camas covid”. Reduzimos a nossa capacidade de 24 para 10 camas e temos conseguido gerir as coisas assim. Nunca tivemos que transferir doentes porque rarissimamente atingimos os dez internados.
A medida de encerramento das escolas faz sentido, do ponto de vista de um pediatra?
É uma medida polémica e haverá sempre defensores de uma coisa e do seu oposto. Todos provavelmente terão razão. A questão depende daquilo que cada pessoa valoriza nestas decisões. Apesar de ter havido um aumento do número de casos, por causa desta nova estirpe, não houve um aumento exagerado nas crianças. Também não houve um aumento de casos graves nessas idades. As crianças continuaram, na sua grande maioria, a ser assintomáticas ou a ter poucos sintomas.
Portanto, os mais pequenos podiam continuar na escola?
Temos que nos basear naquilo a que a ciência nos ajuda. Ainda há pouco saiu um artigo numa revista científica, talvez a mais importante a nível mundial, a Pediatrics, da Academia Americana de Pediatria, em são analisadas 90 mil crianças e professores, para perceber qual era o impacto de as escolas estarem aberta. Conseguiram distinguir quais é que eram os casos positivos em que a criança tinha sido infectada em casa e os casos que eram na escola. Os casos na escola correspondem a cerca de todos os 4%. Ou seja, a doença na criança é menos frequente e, em 96% dos casos, a criança apanhou essa doença em casa e não na escola.
Evidências como estas deviam ter sido levadas em consideração na medida agora tomada?
É muito difícil dizer o que está certo ou está errado. Na minha opinião, abaixo dos 12 anos seria possível manter as escolas abertas, porque o ganho que se vai ter a nível de pandemia é residual e as consequências para as crianças e para os pais serão catastróficas. Abaixo dos 12 anos, a doença é muito mais rara, não tem sintomas ou tem sintomas ligeiros. E manter as crianças na escola tem outros aspectos positivos a ter em consideração: mantém as rotinas diárias da criança, mantém os seus ritmos de sono, mantém um propósito para cada dia. Noutro aspecto, muitas vezes é nas escolas que se detectam as situações de maus tratos e essas crianças, ficando em casa fechadas, estão mais sujeitas a essas situações. Agora, pode haver outro pediatra que diga que a situação está de tal modo catastrófica que todas as medidas que possa tomar para diminuir o número de casos são necessárias.
Porque há sempre vantagens no encerramento?
Estas decisões são políticas e, a partir de certa altura, a pressão já era tanta, que houve pouco de ciência. Mas não se pode dizer que está errado. Depende do equilíbrio que queremos e das consequências para as crianças e para os pais.
O que devem as famílias fazer nesta fase?
O mais importante é que a criança mantenha as suas rotinas diárias: levantar-se cedo, ir tomar o seu banho, arranjar-se, ir estudar ou fazer alguns exercícios. É manter a rotina. Esta situação para as crianças não faz sentido nenhum, porque estavam num determinado ritmo e, de repente, voltam para férias, que não estavam previstas. Quando voltarem às aulas, vão demorar aquele tempo de aquecimento até voltarem ao seu ritmo normal.