Em teletrabalho ou em lazer, autocaravanistas escolhem o Algarve para passar o confinamento
Chegam de diversos países e trazem a van, os animais de estimação e até o computador. Há autocaravanistas a passar o confinamento em parques de campismo do Algarve, que estão, aos poucos, a recuperar do tombo que a covid-19 provocou. O clima, a natureza e a segurança justificam a escolha dos viajantes.
Campistas e autocaravanistas de diversos países estão a escolher os parques de campismo do Algarve para passar o confinamento. Alguns aliam a natureza ao teletrabalho e muitos destacam as condições de segurança que encontram no sul do país.
No meio das árvores do Eco Camp da Salema, em Budens, no concelho de Vila do Bispo, a zona reservada ao autocaravanismo tem uma ocupação de mais de uma centena de pessoas. Lá estão os habituais turistas reformados — mas não só.
“Tínhamos no Algarve um cliente de campismo sénior, reformado, e isso mudou completamente. Estamos com uma faixa etária a rondar os 40-45 anos, com muitos nómadas digitais a trabalhar à distância, com muitas pessoas que decidiram sair dos grandes centros urbanos da Europa e passar o confinamento no meio da natureza, possivelmente no sítio mais seguro que existe, que é Portugal e o Algarve”, revelou à Lusa Joaquim Lourenço, dirigente da Associação dos Parques de Campismo do Alentejo e do Algarve (APCAA).
Esta é a nova realidade mais presente nos parques onde há uma procura por “desportos de mar, como o surf e a caça submarina”, e onde é possível “aliar a vida na natureza”. Já as infra-estruturas normalmente procuradas pelos seniores apresentam uma “procura mais diminuta”, acrescentou.
O dirigente e proprietário do Eco Camp Salema refere o investimento que teve de fazer no melhoramento da rede de acesso à internet, tal foi a procura por pessoas em teletrabalho.
Em Março de 2020, durante o primeiro confinamento decretado pelo Governo, os parques de campismo tiveram de encerrar, reabrindo apenas em meados de Maio com uma lotação máxima de dois terços da sua capacidade total.
A escolha do Inverno para frequentar um parque de campismo pode parecer estranha, mas nos últimos anos tem vindo a crescer o número de autocaravanistas que procuram o Algarve para uma temporada de Inverno.
Segundo dados da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, no período de Outubro de 2018 a Março de 2019 houve quase 528 mil dormidas para cerca de 104 mil hóspedes nos Parques de Campismo e Áreas de Serviço legais da região.
Para a entidade que gere a Rede de Acolhimento ao Autocaravanismo no Algarve, esta é apenas “uma fracção do que se passa na região”, estimando que “entre autocaravanismo selvagem e parques ilegais haja um movimento pelo menos igual, ou mesmo maior”.
Foi num passeio com o seu cão pelo parque da Salema que a Lusa encontra Johanna August, uma jovem turista alemã que revela sentir-se “mais segura” em Portugal, principalmente numa zona “muito calma” como a que encontrou nesta parte do Algarve, onde pode estar “na natureza” e facilmente sair para “dar uma volta”.
Actualmente a estudar, está em Portugal desde Setembro de 2020. Destaca que onde reside “há muito mais população” e com o confinamento não pode “sair de casa”. Mas, como escolheu viver na sua van, pode “saltar da carrinha” e estar “no meio das árvores” — algo que não é possível na cidade.
“Sinto-me mais segura e não me cruzo com tantas pessoas, que aqui também me parecem mais felizes. Dá-me a sensação de que conseguem dar conta da situação. Não têm tanto medo”, aponta.
A possibilidade de se isolar na sua autocaravana é também uma das vantagens apontada por Ian Davis, um turista galês que escolheu a Salema para os meses mais frios do Inverno, depois de uma estadia de dois meses na zona de Coimbra em Outubro.
Enquanto observa a sua mulher numa sessão de ioga, e ultrapassada a evidente mais valia do clima português em relação ao do País de Gales, o quase sexagenário destaca o facto de o casal ter tudo o que precisa na carrinha — cozinha e casa de banho —, saindo “apenas para as compras”.
A zona onde se instalaram garante o “distanciamento” entre as pessoas, reforçando a sua “noção de segurança”. “Podemos sair, passear e ir até à praia sem ver muita gente, por isso sentimo-nos muito seguros e acolhidos aqui. Não somos intrusos ou uma ameaça para alguém”, realça.
Com data de regresso à terra Natal apenas em Julho, Ian revela que durante o primeiro confinamento, em Março de 2020, estiveram num parque de campismo na Nova Zelândia, e considera a noção de segurança que sente nesta zona “rural de Portugal muito similar” à que encontrou no outro lado do mundo.
A quase 60 quilómetros de distância, o Camping de Armação de Pêra, no concelho de Silves, reflecte a redução da procura dos parques de campismo habitualmente procurados pelos autocaravanistas seniores. “Estamos na ordem dos 65% de quebra de facturação em relação a 2019. 2021 está a começar na mesma ordem de quebra”, revela à Lusa o gerente do parque.
Rui Claro sublinha que 2019 “foi um ano de crescimento em relação a 2018” e que “até Fevereiro, início de Março” de 2020, tudo estava a correr “como expectável”. Mas com a pandemia de covid-19 foi “tudo a decrescer”.
Uma volta pelo parque revela cerca de meia centena de autocaravanas de turistas que escolheram aqui passar a sua temporada de Inverno, uma clientela essencialmente composta por reformados holandeses, ingleses e franceses.
Num passeio com o seu animal de estimação, um casal inglês aponta uma vez mais o clima e a segurança como razões de escolha do Algarve para a temporada de Inverno. “No Reino Unido há mais população e as pessoas não estão a ouvir o Governo, estão a fazer muitas festas parvas. Aqui estão a ouvir, usam máscara e limpam tudo”, defende Richard Everton.
Para Maureen Everton, a hospitalidade é um dos pontos fortes do povo português e o casal adianta que está a vender uma casa que possui em França com a perspectiva de comprar outra no Algarve, onde espera passar a deslocar-se de forma mais frequente.
Opinião partilhada pela companheira de caminhada Peggy Wakeford, habitual residente do parque, onde afirma ter-se sentido “muito mais segura” na altura do confinamento de Março de 2020 do que no Reino Unido.
Peggy afirma mesmo sentir-se “chocada” com o que encontrou no Reino Unido quando regressou em Julho, sobretudo pelo facto de “poucas pessoas se importarem com a covid-19, comparado com os comportamentos” a que assistia em Portugal, ao nível do “uso de máscara e luvas”, por exemplo.
Para os empresários do campismo, as previsões para o Verão não são fácies, mas Rui Claro revela esperança de que a vacina possa “trazer mais confiança”, reduzindo “os números assustadores” de novos casos, e faça com que “as pessoas se sintam mais confortáveis para saírem de casa e passar férias”.
Já Joaquim Lourenço prefere olhar para as novas oportunidades e desafia as entidades a fazerem “um trabalho muito bem feito” na promoção do que diz serem as mais-valias do país. O empresário destaca que a costa portuguesa reúne muitos locais para a prática de surf, o “motor da economia do novo cliente jovem”.