Com receio do Ano Novo, China está a vacinar 50 milhões de pessoas contra a covid-19

Há uma guerra de propaganda contra as vacinas ocidentais nos media chineses, quando na Europa e nos EUA se acumulam dúvidas sobre a eficácia das que são desenvolvidas na China.

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Fila para a vacinação contra a covid-19 em Xangai Reuters/ALY SONG

No Ocidente, há dúvidas sobre a verdadeira eficácia das vacinas que estão a ser desenvolvidas contra a covid-19 por empresas chinesas. Mas nada disso transparece na China, que está neste momento a meio de uma campanha para vacinar 50 milhões de pessoas até ao Ano Novo Lunar (12 de Fevereiro). “Em vez disso, o foco nos media estatais tem sido em quão ineficazes são as vacinas ocidentais”, explicou ao PÚBLICO Yanzhong Huang, analista do think tank norte-americano Council on Foreign Relations, especialista em China e Saúde Global.

“Um inquérito de opinião recente, na província de Jiangsu, no Leste do país, mostrou que mais de três quartos das pessoas prefeririam as vacinas chinesas. Só 7% diziam preferir as estrangeiras”, contou. “Isto é muito interessante. Os media estatais chineses têm insistido em veicular a ideia de que vacinas ocidentais são ineficazes, que têm problemas”, disse Yanzhong Huang.

No Ocidente as vacinas chinesas estão a ser cobertas de dúvidas. Veja-se a vacina da Sinovac, que consoante os ensaios clínicos parece ter taxas de eficácia diferentes; 91,25% na Turquia, mas 65,3% na Indonésia e, de forma preocupante, apenas 50,38% no Brasil (embora subisse para 78% se se considerasse a protecção contra formas graves da covid-19), o que mal ultrapassa o valor mínimo de eficácia estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para que uma vacina seja considerada.

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Yanzhong Huang: " A campanha de vacinação na China exclui 40% da população" DR

Jogar com a confiança

Mas essas notícias de que as vacinas chinesas têm um nível de eficácia mais baixo que as ocidentais já no mercado não têm tido tempo de antena na China. “Acho que os media estatais nem deram essa notícia, provavelmente as pessoas nem sabem destas dúvidas”, disse Yanzhong Huang.

Em contrapartida, os media estatais viraram o jogo em relação às europeias e norte-americanas: “Vemos esforços para tentar sublinhar problemas de segurança e eficácia das vacinas ocidentais”, disse o analista.

O tablóide estatal Global Times é um palco privilegiado para esta guerra de propaganda. “Se formos ver os sites dos principais media nos EUA e no Ocidente, quase todas as notícias acerca das vacinas chinesas são negativas”, escreveu em editorial Hu Xijin, o seu influente director. Amor com amor se paga; este jornal faz gala em noticiar tudo o que possa pôr em causa as vacinas ocidentais, como mortes que tenham ocorrido pouco depois da inoculação – isto apesar de não se ter provado, em país algum, que estivessem relacionadas com a vacina.

É um jogo perigoso, este de pôr em causa a confiança das pessoas nas vacinas. As autoridades chinesas provavelmente sentem-se confortáveis para o jogar porque os cidadãos confiam nas vacinas. “Os inquéritos internacionais parecem mostrar que na China há um alto nível de confiança nas vacinas, está entre os países em que as pessoas se dizem mais dispostas a serem imunizadas – embora não se especifique com que vacina”, notou Yanzhong Huang.

Mais velhos ficam de fora

A vacina que está a ser usada na campanha dos 50 milhões é da Sinopharm e tem uma eficácia, tanto quanto se sabe, em torno dos 79%. Em 75 cidades foram abertos postos de vacinação a partir de meados de Dezembro, para administrar a vacina até 12 de Fevereiro, uma altura de férias em que milhões de chineses viajam para se juntarem à sua família – é o período mais perigoso do ano, em termos epidemiológicos.

“O objectivo é proteger o grupo de mais alta prioridade. Este inclui trabalhadores do sector da saúde mas, ao contrário dos países ocidentais, também pessoas que exercem funções como condutores de autocarro, que tenham funções essenciais para manter a sociedade em funcionamento”, explicou Yanzhong Huang​.

Ao contrário do que acontece no Ocidente, as pessoas mais velhas ficam excluídas. “Quem tem mais de 60 anos não é considerado elegível para vacinação. As vacinas chinesas só são administradas a pessoas com idades entre os 18 e os 59 anos. Ora, isto exclui 40% da população”, sublinha o especialista em saúde global.

O Presidente Xi Jinping deu sinais de querer partilhar as vacinas chinesas com o resto do mundo, e de dar prioridade aos países africanos – que estão a ficar de fora dos grandes negócios das farmacêuticas para aquisição de vacinas. “Mas isso já não é assim tão claro, se compararmos com há uns meses atrás. Agora, o Governo de Pequim parece estar a dar maior prioridade às necessidades domésticas, e ao que é designado como a cooperação entre a China e os países em desenvolvimento, e menos ênfase na exportação ou doação das vacinas”, considerou Yanzhong Huang.

Como prova disso, na viagem a África do novo ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, já este mês, o governante “não assumiu um único compromisso para fornecer vacinas”, sublinhou o analista. As Seychelles receberam vacinas chinesas, sim, mas estas são oferta dos Emirados Árabes Unidos e não de Pequim.

A “diplomacia de vacinas” chinesa não parece estar a avançar a passos de gigante, embora nesta semana os fabricantes chineses tenham finalmente anunciado que iriam participar na iniciativa global COVAX, da OMS e outros parceiros, para fornecer um mínimo de vacinas contra a covid-19 aos países mais pobres, que algumas estimativas dizem que não devem conseguir vacinar mais que 10% da sua população em 2021. “Querem expandir a sua quota de mercado, tornar as suas vacinas mais aceitáveis internacionalmente, mas para isso têm de receber a certificação da OMS [até agora, só a vacina da Pfizer-Biontech a tem]”, explicou Yanzhong Huang.

Os 92 países identificados como beneficiários da COVAX “não podem usar o dinheiro dos bancos de desenvolvimento multilaterais para comprar vacinas chinesas se estas não tiverem a certificação da OMS”, explica o analista do Council on Foreign Relations. “Mas há questões de qualidade com as vacinas chinesas… E os Estados Unidos, a Administração de Joe Biden, acabaram de anunciar que se vão juntar à COVAX – por isso a China vai ter um rival nesta diplomacia das vacinas”, sublinhou.

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