Projecto para hospital privado nas Caldas da Rainha divide sócios do Montepio Rainha D. Leonor
Duas listas concorrem aos órgãos sociais de uma associação mutualista que vai gerir investimento de 8 milhões de euros e que é palco de uma indisfarçável guerra entre o PS e o PSD.
Há décadas que não havia duas listas a concorrer a uma das mais antigas e respeitadas instituições das Caldas da Rainha. O Montepio Rainha D. Leonor, associação mutualista fundada em 1860, vai a votos em Fevereiro e nas duas listas apresentam-se visões diferentes sobre a forma como a instituição vai investir 8 milhões de euros na construção de um hospital privado.
De um lado há uma lista de continuidade onde predominam elementos ligados ao PS e que quer avançar rapidamente com o projecto em parceria com o grupo Sanfil, do outro uma lista opositora, com figuras do PSD local, que dá prioridade à gestão de curto prazo e recomenda cautelas no investimento no hospital.
A ideia de um novo hospital para substituir a velha e apertada Casa de Saúde onde o Montepio foi fundado há 160 anos já tem décadas, mas começou a materializar-se em 2017 quando a associação comprou, por 1,5 milhões de euros, um edifício que pertencia à EDP e que reúne boas condições para ser reconvertido em hospital.
Para avançar com o projecto são necessários mais 5 milhões de euros para obras. E para ter músculo financeiro e uma gestão mais profissionalizada, o actual conselho de administração do Montepio está em fase final de negociações com o grupo Sanfil, de Coimbra, que deverá ser parceiro no negócio.
Marques Pereira, líder da instituição e que encabeça a lista de continuidade, diz que “a parceria com este grupo terá como consequência a sua entrada na gestão da actual Casa de Saúde e o fim de privilégios e benesses que já duram há muitos anos”.
Em causa está uma repartição no pagamento aos médicos que prejudica a instituição. Em cada consulta, os clínicos ficam com 75% da receita e o Montepio com 25%, devendo este suportar os custos de funcionamento. Uma situação difícil de alterar porque há falta de médicos, mas que ficaria resolvida com a entrada do grupo Sanfil e do seu próprio corpo clínico.
Além da Casa de Saúde, que tem vindo a dar prejuízos superiores a 100 mil euros por ano, o Montepio Rainha D. Leonor possui mais duas grandes unidades de negócios: o lar de idosos e o complexo das residências assistidas. Ambas dão lucros. Somam-se ainda a Fisioterapia, a Imagiologia (que está concessionada), uma unidade de cuidados continuados e um parque de estacionamento, que geram também receitas.
Para Marques Pereira, a construção, quanto antes, do futuro hospital é a melhor maneira de resolver os problemas da vetusta associação mutualista, dotando ainda a cidade de um hospital privado de referência. Um projecto que, conta, já foi apresentado ao presidente da Câmara, o social-democrata Tinta Ferreira, que “ficou encantado com a ideia e prometeu dar todo o apoio e acompanhamento”.
"Má gestão"
Francisco Rita é adversário desta estratégia. Este médico reformado, que durante décadas esteve ligado ao Montepio como responsável da Imagiologia, acusa a actual administração de má gestão e levanta dúvidas sobre a transparência dos negócios que estão a ser feitos com a Sanfil.
“O que mais me preocupa é o problema financeiro e o Montepio partir para um projecto de grande envergadura muito debilitado para uma negociação com um parceiro”, disse ao PÚBLICO. “O lar e as residências assistidas funcionam bem, mas a Casa de Saúde dá prejuízo e não está ao serviço nem dos sócios nem da população”.
Por isso, defende que, “antes de se pensar no novo hospital, que não estará construído antes de três ou quatro anos, é preciso resolver no curto prazo o problema da Casa da Saúde”. Como? “Com uma boa articulação entre a administração, a direcção clínica e os diversos colaboradores”.
O médico diz que o conselho de administração em funções contratou em Dezembro um enfermeiro chefe a quem atribuiu a gestão completa de toda a área clínica, subalternizando a direcção clínica da Casa de Saúde. “Sem uma boa articulação entre a administração e a direcção clínica nada funciona”, disse.
Questionado sobre a repartição dos 75% e 25% de receitas entre médicos e a instituição, Francisco Rita responde que “antes de entrar nesta questão eu tenho de olhar para outras coisas e ver se a organização da estrutura me permite ou não melhorar os resultados sem estar a interferir com as receitas das pessoas”. O médico está convicto que é possível “diminuir o prejuízo sem se olhar só para o haver” pois “a falta de médicos permite pouca latitude de negociação”. E conclui: “é a lei do mercado”.
Francisco Rita nega que haja motivações políticas na sua lista. “Não pertenço a nenhum partido, nem tenciono pertencer, mas quem é que tem estado na administração do Montepio? Não é um partido político?”, questiona, acrescentando que são essencialmente pessoas ligadas ao PS que têm liderado a instituição.
Apesar de ambas as listas terem elementos simpatizantes e destacados militantes dos dois partidos, há uma tendência para a lista de continuidade ser identificada com o PS e a adversária com o PSD. Este último reina nas Caldas há 30 anos, com sucessivas maiorias absolutas, e é um facto que controla a quase totalidade das associações mais relevantes do concelho. Duarte Nuno, membro do CDS/PP na Assembleia Municipal das Caldas, insurgiu-se recentemente naquele órgão contra os “tentáculos” do partido da maioria das associações do concelho, e Jorge Sobral, um histórico socialista caldense, alertou que está em curso uma tentativa de captura do Montepio, uma instituição que conta com 7500 sócios.