Denúncias de alunos, desmentidos de faculdades: os exames estão a causar alarido, mas nem todos preferem o online

Os exames presenciais estão a dar que falar: universitários queixam-se de incumprimento das normas sanitárias, mas as faculdades garantem estar a cumpri-las. E tentam corrigir “situações pontuais”. Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior garante que as universidades não são locais de transmissão e António Costa reitera: para já, não há ensino online.

p3,direccaogeral-saude,saude,educacao,ensino-superior,universidades,
Fotogaleria
Nelson Garrido
p3,direccaogeral-saude,saude,educacao,ensino-superior,universidades,
Fotogaleria
Adriano Miranda

Em apenas 24 horas, foram 120 as denúncias que chegaram de universitários de todo o país à Quarentena Académica. A plataforma de apoio a estudantes criada durante e para a pandemia lançou um inquérito nas redes sociais e, em apenas um dia, mais de cem testemunhos foram submetidos. Quando fecharam o inquérito ainda receberam “mais 20 ou 30” por email, afiança Tomás Nery, do colectivo.

As queixas mais recorrentes são semelhantes a algumas que já tinham sido divulgadas no P3: “Inexistência de distanciamento físico entre estudantes, reduzida higienização das salas e falta de condições nos transportes públicos, vitais para a deslocação às instituições de ensino superior.” Mas algumas são novas, como “estudantes infectados que realizam provas presenciais” por não haver, muitas vezes, uma alternativa à avaliação presencial.

O colectivo de estudantes não foi o único a receber denúncias. No P3, desde que foi publicado um texto sobre o tema e perguntámos aos universitários como estavam a correr os exames presenciais nas suas faculdades, chegaram vários testemunhos. Por email e com pedido de anonimato. Alunos das faculdades de Medicina, Psicologia e Arquitectura da Universidade de Lisboa, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra relatam “aglomerações, inexistência de distanciamento físico à entrada e dentro das salas, espaços lotados e sem arejamento”.

No primeiro texto sobre o tema, um aluno da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa (FAUL) enviou uma fotografia de uma sala no momento de um exame, assegurando que não foram cumpridas as normas sanitárias. A FAUL garantiu que foram. Na semana passada, uma nova queixa chegou, como escreve um aluno ao P3, anexando fotos da sala em questão : “Após múltiplos pedidos e avisos, a faculdade continuou a ignorar os seus alunos, forçando quatro turmas a realizar a prova numa sala sem janelas e sem distanciamento.”

Foto
DR

A FAUL garante, peremptoriamente, que não estiveram quatro turmas na sala — a unidade curricular em questão envolve, de facto, quatro turmas, mas elas estavam dividas por quatro salas. A que surge na fotografia, afiança, “é uma das salas com maior capacidade” e que, naquele momento, estaria a ser utilizada por 37 alunos (uma turma). “Antes da crise pandémica [esta sala] estava dividida em dois auditórios para duas turmas cada. Neste momento é uma sala única, com capacidade para cerca de 90 estudantes, com marcação de distância de segurança entre cadeiras, que estão, para além disso, desfasadas entre filas, dispondo de ventilação natural cruzada com portas em ambos os topos e ventilação forçada em contínuo funcionamento”, assegura a instituição.

Relativamente à foto refere que “documentará o momento de entrada ou saída dos alunos, em que alguns se aproximaram de outros para trocar qualquer informação, não tendo nisso a instituição qualquer responsabilidade”. A FAUL termina dizendo que sabe que, “dada a situação do país, existem alunos que se sentem inseguros e não querem realizar as avaliações presenciais”, mas garante que “a instituição providenciou todas as medidas de segurança, distanciamento e higienização necessárias” — que, aliás, “se têm revelado eficazes, uma vez que não se verificou, até à data, nenhum surto nem contágios internos na FAUL”.  

Foto
Nelson Garrido

Também da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) vieram testemunhos. Foi enviada uma imagem que circulou pelas redes sociais e chegou às notícias, em que se vê uma aglomeração de alunos à entrada de uma sala. “Situações como estas aconteceram mais vezes em exames de diversos anos. Nos auditórios da faculdade, o distanciamento é de um metro (uma cadeira) como sempre foi. Os auditórios não têm janelas para arejar os espaços”, escreveu uma aluna da FMUC ao P3.

Carlos Robalo Cordeiro, pneumologista e director do curso, assegura que “a FMUC está a seguir as deliberações da Reitoria da Universidade de Coimbra, que ditam que toda a actividade é presencial e que também decorrem das normas emanadas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior” (MCTES). Garante ainda que todas as normas da Direcção-Geral da Saúde estão a ser cumpridas.

“Já aconteceram dezenas de exames e tudo decorreu normalmente, excepto numa valência, que foi fotografada”, refere. O ajuntamento aconteceu “à entrada ou à saída do exame”, mas os estudantes não estarão “isentos de responsabilidades”, considera Carlos Robalo Cordeiro. “Podiam ter evitado.” Ainda assim, reafirma que “foi um caso isolado” e que, após o sucedido, foram reforçadas as medidas de segurança, como poderão comprovar as fotografias que enviou.

Foto
DR
Foto

Da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa chegaram duas denúncias: alunos concentrados à entrada da sala, falta de distanciamento, uma folha de presença que passa por todos os alunos. Um estudante escreve que “há um clima de medo na faculdade em relação à direcção” e que as queixas não são ouvidas.

Luís Curral, director do curso, recusa a ideia. “Tive reuniões com a presidente da Associação de Estudantes e com dois delegados do curso. Só não respondi a um email de uma pessoa que não se identificou. Recebo e falo com todos os alunos desde que apresentem questões concretas”, garante.

“Nesta altura é normal que haja pessoas com muito medo, mas temos cerca de mil alunos e duas queixas [as que chegaram ao P3] representam pouco”, afiança. Afirma que estão a ser cumpridas as normas da DGS e que os exames estão a decorrer presencialmente, uma vez que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior assim o exigiu. A ocupação dos anfiteatros nunca é superior a um terço: numa sala com capacidade para 320 alunos, nunca estão mais do que 100. Quanto às aglomerações à entrada dos anfiteatros, o director do curso refere que tal “tem que ver com o comportamento de cada um” e que não pode ter um segurança para cada aluno.

“Durante o primeiro semestre tivemos 20 alunos com covid-19 e nenhum foi infectado dentro da faculdade”, diz, acreditando ser um bom indicador das normas sanitárias da instituição. E assegura que, para além das três épocas de exame que já existiam normalmente, a faculdade acrescentou um período especial para os alunos que não puderam ir a uma das fases por estarem em isolamento. “O feedback que tenho dos professores é que tem corrido bem. E os alunos têm vindo fazer os exames. Aliás, este ano têm vindo mais alunos à primeira época do que o habitual”, conclui.

Após a publicação deste texto, diversos alunos da instituição enviaram email ao P3 contrariando as declarações do director em relação às medidas sanitárias. Referiram ainda que, antes desta publicação, já tinha sido enviada uma carta assinada por mais de 50 alunos, a contestar “as condições lamentáveis” em que um exame tinha sido feito.

A Faculdade de Ciências da Universidade do Porto garante também estar a cumprir as normas da DGS e enumera algumas medidas em curso, como a sensibilização junto de alunos, criação de salas de isolamento, limpeza dos espaços e redução da lotação nos mesmos e ainda a criação de plataformas de apoio a situações relacionadas com a covid-19. A directora da faculdade, Cristina Freire, refere que conta com o “sentido de responsabilidade cívica de cada um” e que “o não cumprimento do distanciamento físico” dentro da faculdade é semelhante ao que “se verifica na sociedade: “Pessoas que deliberadamente não o cumprem.” 

Cristina Freire acrescenta que a comunidade da FCUP conta 4800 pessoas, e, até à data, “não há registo de contaminação interna”. 

O P3 procurou esclarecimentos junto da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, mas não obteve resposta.

O que diz o ministério?

A celeuma não cessa, mas, independentemente das queixas, a ordem para a realização presencial de exames é do MCTES. E o primeiro-ministro voltou a comunicar, esta segunda-feira, que as actividades escolares se deverão manter presenciais — pelo menos para já.

Em comunicado enviado ao P3, o MCTES refere que “as medidas adoptadas tomaram em consideração que as taxas de incidência e o risco de contágio covid-19 nas instituições científicas e de ensino superior têm sido substancialmente inferiores aos valores relativos aos conselhos em que se integram” e que “a dimensão presencial é um factor determinante para a fiabilidade do processo avaliativo”.

Mas os números mostram que há cada vez mais infectados entre os 13 e os 24 anos e que, desde que as aulas começaram, nos dias 5 e 6 de Janeiro, o grupo dos 13 aos 17 anos apresenta uma taxa de incidência mais elevada do que a das faixas etárias mais altas, e continua a subir exponencialmente. O mesmo acontece na faixa etária dos 18 aos 24. 

E António Costa referiu, em entrevista à TVI, que a faixa etária entre os 20 e os 29 anos era a responsável pelo crescimento de novos casos — ainda assim, garante, as escolas são um local seguro. E o ministério reafirma. “Segundo dados do INE, do total da população residente em Portugal entre os 20 e os 29 anos, 18% encontram-se inscritos no ensino superior”, refere. E acrescenta que especialistas presentes na reunião do Infarmed de 12 de Janeiro referiram que “a informação obtida no caso de controlo mostra que estes estudantes [universitários] têm menos risco de infecção do que as pessoas na mesma idade que não estão na universidade”.

Dados enviados pelas faculdades ao ministério e partilhados com o P3 mostram que não há surtos activos nas instituições. Na Universidade de Lisboa, foram realizados 14.500 testes (a pessoas com sintomas, que estiveram em contacto com infectados e membros da comunidade académica seleccionados aleatoriamente) desde o início da pandemia, tendo 253 sido positivos. No dia 8 de Janeiro foram realizados 376 testes, dos quais dois foram positivos. A instituição considera, por isso, que há “uma transmissão muito pouco significativa da infecção dentro da universidade”.

Na Universidade do Porto (UP), registaram-se 1109 casos de covid-19 desde o início do ano lectivo, entre docentes e investigadores, funcionários não docentes e estudantes. “A incidência a 14 dias por 10 mil membros da comunidade académica no período de 26 de Dezembro a 9 de Janeiro foi 25,9, enquanto o número equivalente no concelho do Porto foi de 68,8”, comenta a UP.

Os institutos politécnicos de Bragança, de Setúbal, de Leiria e do Porto garantem também que não houve qualquer contágio no interior das instalações.

Regime presencial: sim ou não?

Entre associações e colectivos académicos parece não haver consenso sobre o modelo de aulas. A Federação Académica do Porto, que diz não ter recebido qualquer queixa de estudantes sobre as normas sanitárias em exames, acredita que o regime presencial na universidade deve ser “a excepção e não a regra”. Ana Gabriela Cabilhas, presidente da FAP, defende que há momentos em que a avaliação “pode ser presencial”, como em exames laboratoriais, mas considera que “tem de haver abertura para a adaptação para os modelos online” e que “já houve tempo para esta adaptação”.

Para além das aulas, Ana Gabriela Cabillhas lembra que o ensino superior tem “um número elevado de estudantes deslocados”, o que obriga à utilização de transportes públicos. E menciona “um leque de desafios” que surgem com as novas medidas, como o encerramento dos espaços de estudo, que podem alterar hábitos de estudo.

Já o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) defendeu que as actividades lectivas e avaliativas devem continuar a ser presenciais. Em comunicado, o CRUP reforça que “o risco de contágio por covid-19 nas respectivas comunidades académicas se pode considerar controlado” e sublinha a “forma como as instituições têm combatido e lidado com o risco pandémico”.

A Quarentena Estudantil prefere não tomar uma posição sobre o modelo em que decorrem as aulas e os exames. “Deixemos o ministério decidir se as aulas devem continuar a ser presenciais”, afiança Tomás Nery. Mas, sublinha, se se mantiverem presenciais “têm de garantir que há condições sanitárias”. O mesmo acontece se o regime passar para o online: “Temos de garantir que todos os alunos têm as mesmas condições para acederem às aulas[, de forma a evitar desigualdades.]

O colectivo ainda não decidiu como vai proceder em relação às mais de cem denúncias que recebeu. Mas não tem dúvidas de que este problema não é de agora: “Também sabemos que as universidades estão com orçamentos baixos e é difícil exigir mais delas. Queremos que o Governo invista mais nas faculdades, para que elas possam melhorar as condições dos estudantes.” Seja no local, ou à distância.

Actualizado às 11h35 de 21 de Janeiro de 2021: foi acrescentada a informação de que os alunos da Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra já tinham enviado uma carta ao director a contestar as condições sanitárias.

Sugerir correcção
Ler 15 comentários