Covid-19: carga viral detectada na saliva ajuda a prever evolução da doença em pacientes infectados

Equipa da Universidade de Yale (EUA) realizou um estudo que sugere que a carga viral detectada na saliva dos pacientes com covid-19 pode ajudar a prever a evolução da doença e pode estar também associada à mortalidade.

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Dedi Sinuhaji/EPA

Um ano depois de a covid-19 ter aparecido e assolado o planeta, a comunidade científica tenta agora compreender e antecipar os passos do vírus, que já matou dois milhões de pessoas em todo o mundo. Um dos recentes avanços científicos é divulgado num estudo, desenvolvido pela equipa da imunologista Akiko Iwasaki, da Universidade de Yale (EUA), cujos resultados preliminares sugerem que a carga viral detectada na saliva dos pacientes infectados pelo coronavírus SARS-CoV-2 pode ajudar a prever a forma como a doença irá evoluir.

Os investigadores analisaram as amostras de saliva e nasofaríngeas de 154 pacientes com covid-19 do hospital da universidade na cidade de New Haven (Connecticut) e de 109 pessoas que não estavam infectadas, tendo depois dividido os participantes de acordo com o nível de carga viral detectado (baixo, médio ou alto) e comparado os resultados com a gravidade dos sintomas que os pacientes desenvolveram mais tarde. Os resultados mostraram que os pacientes que desenvolveram doença grave, que foram hospitalizados ou que morreram devido à covid-19 eram os que tinham maior probabilidade de ter elevadas cargas virais na saliva, o que levou os autores a concluírem que “a carga viral na saliva nos primeiros momentos [da infecção] está correlacionada com a gravidade da doença [e respectivas hospitalizações] e com a mortalidade”.

À medida que os pacientes foram recuperando da doença, a carga viral na saliva e no muco nasal foi diminuindo, embora isto não tenha acontecido com aqueles que morreram.

Além disso, os níveis mais elevados de carga viral detectados na saliva mostraram estar associados a factores de risco já conhecidos: idade avançada, sexo masculino, cancro, insuficiência cardíaca, hipertensão e doenças pulmonares crónicas.

Antecipar a evolução da doença

“Se recolhêssemos amostras de saliva e analisássemos a carga viral — sobretudo no início da infecção, quando a pessoa chega ao hospital — poderíamos ajudar muito os médicos a prever o prognóstico do paciente e a escolher os tratamentos”, destaca, citado pelo diário El País, o microbiologista espanhol Arnau Casanovas, que participou no estudo (que ainda não foi revisto pelos pares).

A equipa de Akiko Iwasaki defende que as amostras de saliva ajudam a antecipar a evolução da doença muito melhor do que as amostras nasofaríngeas (recolhidas através de uma zaragatoa que é inserida no nariz). Uma das hipóteses defendidas pelos autores é que o muco nasal apenas permite analisar a multiplicação do vírus no tracto respiratório superior, enquanto a saliva permite também analisar o que está a acontecer nos pulmões, uma vez que o sistema mucociliar — um mecanismo de defesa do organismo para expulsar germes — fará com que o novo coronavírus seja transportado desde o tracto respiratório inferior até à garganta.

Além disso, os investigadores observaram que uma maior carga viral na saliva está também associada a uma maior quantidade de biomarcadores no sangue da reacção inflamatória característica dos casos graves de covid-19. Pelo contrário, essa maior carga viral está ligada a níveis mais baixos de plaquetas, glóbulos brancos e anticorpos específicos contra o novo coronavírus — o que faz com que desenvolvam uma resposta imunitária forte mais lentamente.

A saliva no diagnóstico e prognóstico dos doentes

Segundo a investigadora espanhola Elisabet Pujadas, da Escola de Medicina Icahn do Hospital Mount Sinai (EUA), que não participou neste estudo (embora tenha analisado, em Agosto, a relação entre a carga viral nas amostras nasofaríngeas e a mortalidade por covid-19), o trabalho mostra que “a saliva pode ter um valor maior do que se pensava para o diagnóstico e prognóstico” da covid-19.

Porém, Elisabet Pujadas assinala ao El País que este estudo apenas inclui 154 pacientes, pelo que “seria prematuro” concluir que devemos utilizar recorrer à saliva em vez das amostras nasofaríngeas. “Ainda assim, estes resultados promissores justificam que se dediquem mais recursos a recolher e estudar amostras de saliva”, destaca, defendendo que não se deve classificar os pacientes com covid-19 apenas pelo resultado positivo ou negativo, mas medir também a sua carga viral.

A equipa de Iwasaki, Casanovas e outros investigadores tinha já publicado, em Setembro, um estudo sobre o potencial da saliva no diagnóstico de casos de infecção pelo novo coronavírus. “Há muito tempo que dizemos que seria melhor usar a saliva como amostra prioritária. É muito mais fácil recolher saliva do que uma zaragatoa nasofaríngea. Não é preciso uma equipa de enfermagem, cada pessoa pode cuspir em sua casa para um recipiente e evita-se o risco na recolha da amostra por zaragatoa, porque às vezes as pessoas espirram ou tossem e geram-se aerossóis”, defende Casanovas.

Iwasaki admite, porém, que os resultados não têm poder estatístico suficiente para prever inequivocamente a probabilidade de uma pessoa com alta carga viral na saliva de desenvolver um quadro grave de covid-19, salientando que são necessários mais estudos.

No entanto, se os resultados se vierem a confirmar, os testes à covid-19 através da saliva, mais baratos e fáceis de realizar, poderão ajudar os médicos a definir o tratamento dos pacientes e a prever a evolução da doença.

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