Fecho das escolas: “Quinze dias, três semanas... o que é isso na vida de uma pessoa?”
O pneumologista António Diniz defende que as novas medidas de confinamento deviam incluir o ensino à distância para os alunos a partir do 10.º ano, incluindo as universidades.
Para o pneumologista António Diniz, do Centro Hospitalar de Lisboa Norte e membro Gabinete de Crise da Covid-19 da Ordem dos Médicos, o fecho das escolas para os alunos a partir do 10.º ano só peca por tardio. Apresentando alguns dos argumentos a favor do fecho das escolas para os alunos a partir dos 16 anos, António Diniz acaba por admitir que tem “alguma dificuldade em perceber” como a decisão de manter o ensino à distância durante três semanas ou um mês “vai influir de forma tão decisiva na vida de um jovem”.
Qual é a sua posição em relação à possibilidade do encerramento das escolas com o novo confinamento?
Sou favorável a um encerramento das escolas por vários motivos.
Porquê?
Porque o nível de transmissão na comunidade nunca esteve tão elevado como agora. Bate tudo. Estes dias traduzem-se em acréscimos de quase 50% em relação aos máximos que tínhamos anteriormente. Nós tínhamos um máximo de sete mil casos, agora estamos com máximos de dez mil. Se vamos instituir um confinamento com sacrifício de todas as pessoas, então devemos aproveitar para maximizar todas as potencialidades que esse confinamento nos traz. O que é que isso significa? Significa que devemos aproveitar esta oportunidade como mais uma oportunidade e maximizar os efeitos. Há quem diga que o risco de transmissão das crianças é mais baixo.
O risco de desenvolverem doença grave é mais baixo.
Sim. Mesmo de transmissão para a comunidade, há quem defenda que o risco é inferior ao dos adultos. A ser verdade, não se aplica já aos adolescentes. Aparentemente, até de acordo com documentos do ECDC [Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças], a partir dos 16 anos os adolescentes têm um comportamento em termos de transmissão que se aproxima muito mais dos adultos, do grupo etário dos 19 aos 40 anos.
Mas há outros argumentos...
Há. Quando se fecham as escolas, há todo um conjunto de actividades que também é reduzido na comunidade, como as deslocações, incluindo os transportes, e as entradas e saídas na escola, com uma tendência para que se sejam feitas em grupos, quer se queira, quer não. E depois finalmente há ainda a atitude da maioria dos países da Europa que, quando optam por confinamentos, têm optado por algum fecho de escolas.
O que defende então que devia ser feito em Portugal?
A minha posição implicaria o ensino à distância para o ensino secundário, 10.º, 11.º e 12.º. E para as universidades.
Porquê?
Admito que isto pode ser discutido, mas defendo isto porque estas crianças já são autónomas, não implica que os seus pais ou um dos pais tenha de ficar em casa. O que pode ser importante se esse pai exercer as suas funções com necessidade de actividade presencial. Permite maior flexibilidade. O outro argumento tem que ver com a tal questão de, aparentemente, estas crianças em termos de transmissão na comunidade terem um comportamento muito mais próximo dos adultos do que aqueles que estão abaixo dessa idade.
Porque não colocar a barreira logo nos 12 anos, como defendem alguns especialistas?
Essa é a parte que é discutível. Se me disseram que é a partir dos 12 anos, encantado da vida! Até porque, honestamente, tenho alguma dificuldade em perceber como é que o confinamento, que se irá prolongar por três semanas ou um mês, em que se mantém ensino à distância, vai influir de forma tão decisiva na vida de um jovem.
Acha que terá pouco impacto por ser pouco tempo? Há o receio de agravar as desigualdades...
Sinceramente, acho. E acho que há de certeza mecanismos dentro do sistema de educação que permitam compensar isso. Eu gostava que a primeira coisa que me dissessem é que o Estado tem condições de garantir a igualdade ou de, pelo menos, atenuar a desigualdade dessas situações
E será que tem?
Não sei, gostava que me dissessem. Isso é um factor que pode entrar na avaliação desta situação. E logo vemos se temos essa capacidade ou não.
Nesta medida há custos e benefícios. Não é difícil para si dizer o que pesa mais?
Para mim, nesta altura está fora de questão que aquilo que pesa mais é conseguir alcançar o mais rapidamente possível o controlo da situação sanitária. Se não conseguirmos isso, não vamos ter nem saúde, nem economia, nem condições sociais, nem escola. É escusado pensar mais nisso. Se não conseguirmos controlar a pandemia em Portugal rapidamente, vamos levar a que tudo o resto, por arrasto, vá sofrer as consequências disso.
Pelos seus argumentos, já deviam ter sido tomadas medidas antes para o ensino universitário. Por exemplo?
Claramente. Não é acabar com o ensino, é substituir a actividade presencial por não presencial. Com os números a crescer não havia justificação para manter esta situação.
Logo em Novembro?
Para quem como eu acha que foi um disparate ter-se aligeirado as coisas para o Natal... Para ser coerente, ter-lhe-ia de dizer que, na verdade, nessa altura – e já o defendia – o ensino secundário e nas universidades deveria ter sido feito à distância. Há países que estão a fazer isso ressalvando duas ou três excepções. Por exemplo, no Reino Unido é dada a possibilidade aos filhos dos trabalhadores essenciais de terem ensino na escola. O mesmo para as crianças vulneráveis, que não têm possibilidade de ter acesso ao ensino à distância, essas poderão beneficiar de ensino na escola.
Estes modelos com excepções seriam possíveis em Portugal?
Acho que se poderia pensar nisso. Aliás, acho que isso já deveria estar pensado. Sempre fui muito crítico em relação à forma como atravessÁmos o Verão. Estas coisas preparam-se antes.
No Verão fomos de férias?
Foi tudo de férias e agora com a vacina foi tudo uma festa. Andamos como sempre, mas tudo bem... A questão é que todos esses modelos podem ser aplicados. O meu objectivo nesta fase era maximizar o que um confinamento representa. Reconheço que provavelmente as crianças e os adolescentes não são um factor fundamental de transmissão na comunidade, mas a questão aqui é aproveitar todas as coisas e não vejo nenhum mal extraordinário que possa advir de o ensino ser feito à distância durante 15 dias, três semanas ou um mês para a grande maioria dos estudantes acima dos 15 anos, quando temos o resto do país nesta situação. Os benefícios que daí podem advir, para mim, são potencialmente maiores.
O benefício compensa os riscos?
Para mim, sim. O benefício do ensino à distância compensa os riscos. Mas se tenho algum estudo de custo-benefício disto? Não tenho. Nem tenho um que diga isso, nem existe um que prove o contrário. Mas não é por acaso que quando uma pessoa olha para a Europa... Reino Unido, Irlanda, Alemanha, Itália, Holanda, Polónia, Áustria, Grécia, Dinamarca nas universidades... Todos adoptaram agora o ensino à distância. Nós às vezes temos uns devaneios de originalidade que nos custam caro. Já tivemos o devaneio de quando todos confinavam e decidimos abrir, que estamos agora a pagar. Não inventemos! A minha posição, repito, assenta na primeira premissa, que é: olhemos para o nível de transmissão na comunidade. É catastrófico. As pessoas ainda não tiveram a noção exacta do que vai representar quando chegarem aos hospitais os 50 mil casos que tivemos nos últimos dias.
E a nova variante também pode pesar?
Ainda há isso que é importante. Ainda nem sequer sabemos qual é o impacto real da nova variante do vírus. Essa nova variante, segundo dois estudos que saíram recentemente, um da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres e outro do Imperial College, está associada a uma maior transmissão e uma maior afectação dos grupos abaixo dos 20 anos.
Ou seja, defende que devíamos aplicar o princípio da precaução?
É o princípio da precaução numa situação que já é péssima. É mais um argumento a favor para sermos muito prudentes e tentarmos eliminar ao máximo os riscos de transmissão. Mesmo que nuns casos a probabilidade seja maior e noutros menor. E como lhe digo... 15 dias, três semanas... o que é isso na vida de uma pessoa? Não consigo perceber a fixação com as escolas e com os confinamentos selectivos.