De um prémio a Sara Barros Leitão nasceu um Clube do Livro Feminista
Um dos três projectos para 2021 da Cassandra, estrutura artística dirigida pela actriz que venceu o prémio revelação Ageas 2020, é o Heróides – Clube do Livro Feminista. Em cima da mesa estarão 12 livros que dão voz a quem por norma não a tem. A primeira sessão já esgotou e obrigou à abertura de um Webinar.
Ler 12 livros em 12 meses acompanhada por outros leitores e leitoras é uma das resoluções para 2021 de Sara Barros Leitão, a actriz e encenadora de 30 anos que é directora artística da Cassandra, estrutura de criação fundada no ano passado. Com o dinheiro que recebeu do primeiro Prémio Revelação Ageas Teatro D. Maria II, cinco mil euros, quis avançar com um clube do livro a que deu o nome de Heróides, “roubado ao livro homónimo de Ovídio, em que o autor escreve várias epístolas assinadas pelas heroínas da mitologia grega e romana, endereçadas aos seus amantes”, explica no site do projecto. A ideia surgiu-lhe quando percebeu que todos os livros que uma amiga lera recentemente haviam sido escritos por homens brancos e europeus. “Vários séculos depois”, argumenta, “continuamos a negar o lugar de fala e a perpetuar a criação de uma narrativa única e androcêntrica”.
Para contrariar esse afunilamento, a actriz convidou 12 pessoas “que admira e com quem quer aprender” a escolherem 12 obras para serem lidas até ao final do ano no Heróides – Clube do Livro Feminista, “porque os livros salvam vidas e o feminismo salva o mundo”, acredita. É um dos três projectos para 2021 da Cassandra, que está ainda a preparar o espectáculo Monólogo de uma mulher chamada Maria com a sua patroa, cujo título foi roubado a um dos textos que compõem o livro Novas Cartas Portuguesas, escrito em 1971 por Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno, e que “quer trazer para a luz o trabalho doméstico, estruturalmente invisibilizado”; e um podcast “que acompanhará o processo de trabalho dessa nova criação, porque toda a gente sabe que os espectáculos nunca são tudo o que os ensaios prometem”.
O clube de leitura vai realizar-se sempre no último sábado de cada mês, via Zoom, com a pessoa convidada e quem se quiser juntar. A participação é gratuita e todas as sessões têm interpretação de linguagem gestual. “Seria ideal que conseguisses ter terminado de ler o livro antes de cada sessão, mas não é impeditivo. Até pode acontecer não teres gostado ou percebido o livro, e não tem mal nenhum, será até interessante ouvir o que sentiste. Deves ainda saber que não são permitidos discursos de ódio, linguagem ou atitudes racistas, xenófobas, sexistas, e tudo o que atente contra a Constituição Portuguesa e os Direitos Humanos. São bem-vindas linguagens e atitudes inclusivas e não discriminatórias”, avisa o site. Os leitores são desafiados a não comprar as obras em plataformas multinacionais, pois estas, aponta a organização do clube, “perpetuam condições de trabalho precário”. Sugere-se a compra numa pequena livraria ou num alfarrabista.
O livro em cima da mesa neste primeiro mês será Corpos na trouxa – Histórias-artísticas-de-vida de mulheres palestinianas no exílio (Almedina), obra resultante do doutoramento de Shahd Wadi na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e que constituiu a primeira tese em Estudos Feministas feita em Portugal. A convidada que irá orientar a sessão, marcada para o dia 30 de Janeiro, das 11h às 13h, é a própria investigadora em assuntos feministas e palestinianos, que apesar de ter nascido no Egipto e de ter vivido a maior parte do tempo na Jordânia, onde estudou Línguas, é palestiniana. A sessão tinha um limite de 30 inscrições e já esgotou.
Como Sara Barros Leitão, Susana Ferreira (directora de produção da Cassandra) e Marta Ramos (designer) foram surpreendidas pelos mais de 180 pedidos de inscrição, existirá também a possibilidade de se assistir à sessão por Webinar (o que requer igualmente registo através de um formulário disponível no site oficial do projecto, https://www.cassandra.pt/heroides). As sessões não serão gravadas, nem serão partilhados registos das mesmas, para que constituam espaços de conversa informal e honesta: “Acima de tudo, gostávamos que fosse um espaço seguro e confortável para tod@s, afinal, não é assim que o mundo deveria ser?”.
“O desafio lançado às pessoas convidadas foi que escolhessem um livro do qual gostassem e com o qual se identificassem. A escolha seria livre, mas com alguns requisitos, desde logo: era necessário que o livro estivesse traduzido em português e fosse fácil de encontrar; preferencialmente deveria ser um livro que estivesse disponível nas bibliotecas públicas; e que o seu valor de aquisição no mercado não ultrapassasse os 20€. Isto porque, mais do que um livro feminista, a forma de chegar a ele também deverá ser feminista”, diz a página de apresentação do projecto.
As inscrições para os debates dos próximos meses ainda não abriram, mas as obras já estão escolhidas. No mês de Fevereiro, a conversa será sobre As Ondas, de Virginia Woolf (Relógio D’Água), escolhido pela actriz Sara Carinhas. Seguem-se, em Março, Mulheres Invisíveis, de Caroline Criado Perez (Relógio D’Água), escolha de Ana Catarina Correia, e, em Abril, Factfulness – Factualidade, Dez razões pelas quais estamos errados acerca do mundo – e porque as coisas estão melhor do que pensamos, de Anna Rosling Ronnlund, Hans Rosling e Ola Rosling (Temas e Debates), sugestão de Mónica Assunção.
Em Maio, o livro a debater será Trans Iberic Love, da cineasta Raquel Freire (Divina Comédia), escolhido por Verónica Lopes. Em Junho, O Grito da Gaivota – Biografia de uma surda profunda, do berço ao êxito nos palcos do teatro francês, de Emmanuelle Laborit (Caminho) é a proposta da convidada Joana Cottim. A obra em destaque na sessão de Julho não está ainda apontada mas quem a escolherá é Angella Graça. Em Agosto, ler-se-á Todos devemos ser feministas, de Chimamanda Ngozi Adichie (D. Quixote), escolha Alcina Jacinto Fonseca.
Em Setembro entrará em cena a Medeia, de Eurípides (Fundação Calouste Gulbenkian), com a convidada Sofia Frade. Em Outubro, a discussão será à volta de Beloved, de Toni Morrison (Dom Quixote), com a convidada Nuna. Em Novembro, Sou um crime, de Trevor Noah (Tinta da China), surgirá por proposta de Marco Mendonça. A última sessão do clube decorrerá em torno de Carta à minha filha, de Maya Angelou (Lua de Papel), com a convidada Paula Cardoso, jornalista e editora do site Afrolink.
Paralelamente às sessões de discussão, cada convidado escreverá um texto sobre o livro que escolheu. E haverá um fórum escrito para que todos possam trocar ideias, mesmo quem não conseguiu assistir.