Marcelo considera caso do procurador “lamentável” e quer mais informação

No debate com Marisa Matias, o actual Presidente foi meigo com a adversária e duro com a ministra da Justiça. A época de debates entre candidatos abriu com jogos florais, mas pressagia tensão entre Belém e São Bento.

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Marcelo e Marisa abriram a época de debates para as presidenciais LUSA/PEDRO PINA

Marcelo Rebelo de Sousa e Marisa Matias abriram a época de debates entre candidatos às eleições presidenciais em tom morno e entre simpatias recíprocas. Mas quando Marcelo foi questionado sobre o caso do procurador europeu, vestiu o fato de Presidente e falou grosso para o Governo.

“Há três ou quatro pontos lamentáveis” no caso da escolha do procurador europeu, afirmou Marcelo quando questionado sobre o assunto. Referiu-se em concreto aos três erros que constavam da carta enviada pelo Ministério da Justiça a Bruxelas para justificar a escolha de José Eduardo Guerra em detrimento da candidata escolhida por um júri independente e acrescentou-lhe um ponto político que desmonta a argumentação de Francisca Van Dunen nas explicações públicas que deu.

A ministra defendeu-se dizendo que a carta com “lapsos” tinha sido enviada directamente da Direcção-Geral de Política de Justiça para a Representação Portuguesa (REPER) junto da União Europeia, facto injustificável para o Presidente da República: “Como é possível haver uma nota interna enviada directamente de um serviço para uma representação diplomática?”, questionou.

“Há aqui um desleixo que tem projecção internacional”, lamentou Marcelo, que não tinha podido ver a entrevista de Francisca Van Dunen, pouco antes também na RTP.  Questionado sobre se a ministra tem condições políticas para continuar no Governo, não quis responder, mas foi dizendo que quer “ainda mais informação” sobre um caso “lamentável”.

Foi também no papel de Presidente que Marcelo Rebelo de Sousa explicou porque é que o próximo estado de emergência deverá ter apenas oito dias de duração: “Ainda não há dados suficientes relativamente ao período de Natal, houve pontes consecutivas e não houve testes”. Além disso, “só e possível ter uma reunião com os especialistas dia 12, mas não pode haver um vazio”. Por isso, “renova-se com o mesmo regime por oito dias para dar tempo para ter dados para encontrar uma solução para mais um mês”, explicou.

O jogo das diferenças

De resto, o debate correu ao jeito dos jogos florais. O actual Presidente apostou nos elogios à adversária, sobretudo quanto ao seu papel na defesa do estatuto dos cuidadores informais, enquanto a candidata do Bloco lhe espetava espinhos sobre o SNS e as leis laborais. No fim admitiram que, em certas condições, podiam votar um no outro.

Mas Marisa Matias trazia na manga as cartas para jogar o jogo das diferenças. Insistiu que Marcelo é o seu principal adversário porque “representa uma visão mais ligada aos partidos de direita”, e por isso merece críticas da candidata de esquerda porque “podia ter ido muito mais longe na área da Saúde”, tanto na Lei de Bases da Saúde como nos decretos do estado de emergência.

“O Presidente exerceu a sua influência mantendo os privados” no sistema, afirmou Marisa, defendendo a posição do Bloco que queria ver a contratualização com os privados, em caso de necessidade, mediante requisição civil e não por acordo, como se prevê nos decretos presidenciais do estado de emergência.

Na réplica, Marcelo sublinhou que “o SNS é insubstituível e crucial, quer à esquerda quer a direita social” e que a questão da contratualização com privados e sector social foi resolvida com uma proposta do BE que permitia o recurso a meios privados em casos excepcionais. “Nem a proibição nem a abertura total. E foram os partidos de esquerda que votaram a favor”, sublinhou. 

Marisa Matias não hesitou também em criticar o silêncio do Presidente sobre o caso do ucraniano morto às mãos do SEF, em particular por não ter dado uma palavra à família da vítima. E aqui, quase arrancou um mea culpa a Marcelo: “Admito que foi uma decisão criticável, mas não achei bem susbstituir-me ao SEF e ao Governo”.

Questionado por Carlos Daniel sobre o que quis dizer quando, na nota de promulgação do Orçamento do Estado para 2021, lamentou que não se tivesse ido mais longe nas questões sociais, voltou a ser o Presidente a responder. “O layoff é uma solução para tentar aguentar emprego, mas e depois do layoff? Há que prever, além disso, a criação de emprego. Algumas propostas na área social não foram tão longe como deviam ter ido”.

No início, os dois candidatos convergiram sobre o papel do Presidente da República perante o Governo e a fé em que esta legislatura vai chegar ao fim. “O dever do Presidente é trabalhar para construir estabilidade”, disse Marisa e Marcelo não podia estar mais de acordo: “O Presidente deve evitar crises políticas sempre, e por maioria de razão em tempos de crise e de pandemia. O Presidente deve ser um factor de estabilidade, com qualquer governo”, frisou.

E os dois acreditam que a legislatura pode durar até 2023. “Acredito na possibilidade de fazer entendimentos no futuro porque precisamos de uma resposta mais firme à crise”, afirmou Marisa. Marcelo preferiu dizer teve “pena que não tivesse havido base de sustentação mais alargado ao Orçamento do Estado – na única farpa ao Bloco que se lhe ouviu, mas acabou por dizer que acredita que “pode haver consensos” para levar a legislatura até ao fim.

Quando questionados sobre se admitiam votar um no outro caso não fossem candidatos, Marcelo disse que teria de ver quem eram os outros antes de decidir, enquanto Marisa foi rápida a dizer que havia “um cenário” em que era possível. Não disse qual era, mas a charada é fácil: haver uma segunda volta com um candidato ainda mais à direita que Marcelo. “Mas não vamos lá chegar”, afirmou a bloquista.

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