Presidente da Câmara do Porto acusado de prevaricação no caso Selminho

“Esta acusação é muito estranha, tanto no conteúdo como no momento em que é deduzida, mas estou absolutamente tranquilo e não deixarei de tudo fazer para que sejam apuradas todas as responsabilidades”, reage o autarca.

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Tiago Lopes

O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, foi acusado pelo Ministério Público de um crime de prevaricação no chamado caso Selminho, podendo, se for condenado, incorrer numa pena entre os dois e os oito anos de prisão e na perda de mandato. Em causa está o facto de o autarca ter praticado actos numa dupla qualidade, de representante do município e sócio de uma empresa, no âmbito de um diferendo que envolvia uma imobiliária da sua família, a Selminho, e a câmara. A disputa centrava-se na capacidade de construção de um terreno localizado na escarpa da Arrábida, no Porto, comprado pela imobiliária em 2001 e onde a firma queria construir. 

O autarca confirmou esta tarde a acusação do Ministério Público e considerou-a “descabida e infundada”. Mas remeteu uma reacção mais aprofundada para a reunião de câmara da próxima segunda-feira. 

O Ministério Público considera que havia um conflito de interesses entre o autarca Rui Moreira e o cidadão Rui Moreira, sócio, com os irmãos, da Selminho, que tentava desde o início do século garantir capacidade construtiva de uma propriedade de 2260 metros quadrados com vistas para o rio e o mar. O caso foi tornado público pela CDU, em Julho de 2016, ano em que é apresentada uma denúncia anónima na plataforma electrónica de denúncias do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, que deu origem a um inquérito-crime que correu no Ministério Público do Porto.

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Terreno da Selminho, que pertencia, afinal, em grande parte, ao município do Porto. Nelson Garrido

Por essa altura, a CDU fez uma participação à Procuradoria-Geral da República, que remeteu a parte criminal para o Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto e a parte administrativa para o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, que avaliou a legalidade administrativa dos actos do autarca. Isto porque, pouco depois de chegar ao cargo, Moreira chegou a nomear um advogado para representar a autarquia nas negociações com a Selminho que abriram caminho para um acordo, assinado então pela sua vice-presidente, em que o município admitia analisar a pretensão da empresa durante a revisão do PDM.

Os comunistas denunciaram o caso, considerando que a celebração de um acordo entre as partes configurava um conflito de interesses. A polémica sobre o caso ganhou novos contornos em 2017, quando o PÚBLICO noticiou, em Maio, que o autarca tinha há meses um parecer interno dando conta de que boa parte do terreno da família, comprado a um casal que o registara por usucapião, seria, afinal, do domínio público do município. Um parecer que o vereador do Urbanismo e a oposição desconheciam então, apesar de ser, como se veio a verificar, essencial para este processo.

Em Setembro desse ano, Moreira decide que o município deve reclamar a parcela em causa, e no início de 2019 um tribunal de primeira instância considera inválida a escritura de venda à Selminho e reconhece que parte da propriedade era da câmara. A sentença foi confirmada pela Relação, em Outubro do ano passado, e pelo Supremo Tribunal de Justiça, já em 2020.

Mas voltemos a 2017. Com o tema a ferver no debate político, em ano de autárquicas, em Julho desse ano Moreira viu o Ministério Público junto do TAF do Porto arquivar a participação da CDU e reclamou vitória contra a “campanha suja” de que dizia estar a ser alvo. E é esse despacho – que nada tem a ver com a parte criminal do caso – que leva o autarca do Porto, esta sexta-feira, numa curta declaração escrita, a assinalar “que a acusação é completamente descabida e infundada”.

“Os factos agora usados são exactamente os mesmos que já tinham sido analisados pelo Ministério Público que, em meados de 2017, considerou não existir qualquer ilicitude no meu comportamento”, insiste Rui Moreira. Que omite, contudo, que em análise estava a prática de um eventual ilícito administrativo e não de um eventual ilícito criminal, uma dimensão que continuou em investigação até agora. 

Moreira é o único acusado neste caso, tendo agora um prazo para pedir a instrução do processo, uma fase facultativa em que um juiz de instrução terá que avaliar se o caso tem condições para seguir para julgamento. Considerando que esta “acusação é muito estranha, tanto no conteúdo como no momento em que é deduzida”, o autarca afirma-se “absolutamente tranquilo” e garante que não deixará de “tudo fazer para que sejam apuradas todas as responsabilidades”.

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