Secretária de Estado para as Migrações ficou “completamente chocada” com morte de Ihor

Portugal distingue-se por “acolher bem imigrantes”, diz a secretária de Estado para a Integração e as Migrações.

Foto
Rui Gaudêncio

A secretária de Estado para a Integração e as Migrações admitiu ter ficado “completamente chocada” com a morte do cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa, sublinhando que já estão a ser tomadas medidas para que não volte a acontecer.

Em entrevista à agência Lusa, Cláudia Pereira anunciou para breve o novo modelo de acolhimento, dentro do qual o papel do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) mantém-se não só na gestão das fronteiras, mas também como responsável pelo contacto com as autoridades gregas, onde estão os refugiados que Portugal está a acolher, e com a Organização Internacional para as Migrações, no caso dos menores não acompanhados.

Questionada sobre se faz sentido existirem estruturas como as do aeroporto de Lisboa, onde o cidadão ucraniano foi detido e morto, a secretária de Estado lembrou que “em todos os países há estruturas de gestão das fronteiras, nos países europeus e no mundo”.

“Neste caso, e falando no caso do cidadão Ihor Homeniuk, o que aconteceu é algo que a mim me deixou completamente chocada, foi terrível e principalmente quando Portugal se distingue por acolher bem imigrantes, por ser algo de que temos orgulho e que está no nosso currículo, nesse sentido é algo que chocou toda a gente”, apontou Cláudia Pereira.

Segundo a secretária de Estado, a estrutura que existe no aeroporto (Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária) “durante anos foi tida como exemplo de funcionamento”, “mas os últimos acontecimentos mostraram que havia problemas”.

A responsável frisou que as migrações “têm um papel central” para o actual Governo, sendo, por isso, “muito importante” apurar o que efectivamente se passou com o cidadão ucraniano que estava sob a responsabilidade do SEF. Recusou, no entanto, que uma eventual reestruturação do SEF ponha em causa o trabalho feito de revisão do modelo de acolhimento.

Cláudia Pereira salientou que é preciso que uma situação como esta “não se volte a repetir”, defendendo que a actual revisão do modelo de acolhimento já prevê medidas nesse sentido, desde logo com a garantia de assistência jurídica a quem é recusada a entrada em território português, sublinhando que foi já feito um protocolo com a Ordem dos Advogados.

A secretária de Estado defendeu que terá sempre de estar presente uma “entidade responsável pela gestão das fronteiras”, mas admitiu que essa entidade não esteja sozinha e que seja “sempre garantida assistência jurídica e a sua representação jurídica” às pessoas que tentarem entrar no país.

Acrescentou que poderá também haver tradutores para qualquer esclarecimento e garantir, assim, igualdade de tratamento a todos os imigrantes.

Cláudia Pereira frisou que as suas competências incluem a integração dos imigrantes depois de eles chegarem a Portugal e garantir o acesso destas pessoas ao emprego, educação, saúde e habitação digna.

“Este é um caso que não podemos esquecer, que foi dramático, mas é importante também mostrar tudo o que está a ser feito de forma paralela e é importante mostrar que, por exemplo, temos estado a trabalhar muito no acesso aos imigrantes a qualquer direito que os portugueses tenham”, sublinhou.

Acordo com Marrocos

Na mesma entrevista, a secretária de Estado referiu-se às chegadas ao Algarve de imigrantes ilegais. “São menos de 100 pessoas as que chegaram. Sei que tiveram muita visibilidade mediática, mas são menos de 100, o que ainda não nos permite saber se é um novo padrão migratório. Ainda nem sequer temos dados para perceber se queriam vir para Portugal ou se queriam a partir de Portugal e ir para outros países. Mais de metade pediram asilo”, mas a nenhuma destas pessoas foi ainda atribuído qualquer estatuto, disse Cláudia Pereira.

Desde Dezembro de 2019 que ao Algarve têm chegado esporadicamente pequenos grupos de migrantes em embarcações, com origem em Marrocos. Esta realidade levou o Estado português a decidir acelerar um processo que já estava em curso para chegar a um acordo bilateral com Marrocos, a ser trabalhado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, para enquadrar migrações que tenham por base a procura de trabalho em Portugal, disse Cláudia Pereira, que referiu também que, até ao momento, o Governo desconhece qualquer outra possível rota além desta.

Sobre o caso dos requerentes de asilo alojados em hostels sobrelotados em Lisboa onde no início da pandemia foram detectados surtos de covid-19, a secretária de Estado referiu que foram todos recolocados, quer em hostels, quer em outros alojamentos temporários ou apartamentos, tendo sido definido que nos hostels a lotação máxima é de 40% para garantir que estas pessoas têm assegurada “a distância necessária para viver em condições dignas”.

“Na altura foram testados cerca de 730 requerentes de asilo, vários deles estavam positivos, mais de 200. Foram-lhes dadas as condições que são dadas aos portugueses, portanto, sempre que foi possível, deslocados para outra habitação e depois foi tratada a situação de sobrealojamento e neste momento o máximo é de 40% de ocupação”, disse Cláudia Pereira.

Quanto aos requerentes de asilo que na altura testaram positivo e, por isso, foram transferidos para a base aérea da Ota a governante referiu que também estas pessoas já foram recolocadas em alojamentos evitando situações de sobrelotação. Sublinhou que a decisão da transferência para a base da Ota, que estava preparada para receber doentes covid-19, foi tomada quando ainda se estava numa fase inicial da pandemia, havia pouco conhecimento sobre a doença e “agora ter-se-iam tomado outras medidas”.

Os números oficiais adiantados pelo Governo revelam que até 14 de Dezembro entre a população imigrante em Portugal tinham sido registados 25.071 casos de infecção pelo novo coronavírus e 186 mortes.

“Há um número significativo de imigrantes infectados e também um número significativo de óbitos durante a pandemia. Um número significativo pela razão de terem sido uma parte da população onde se sentiu mais as desigualdades sociais e económicas. Muitos deles privados do emprego, muitos deles podendo ter apoios sociais encontravam-se em zonas onde foi mais difícil chegar a informação e onde havia casos de sobrelotação e também por isso estiveram entre os mais afectados pela pandemia”, disse Cláudia Pereira.

Facilitar o acesso a cuidados de saúde e a apoios sociais foi o objectivo do despacho que concedeu a regularização temporária a todos os imigrantes que tivessem submetido um pedido de autorização de residência e para o qual ainda estivessem a aguardar decisão, recordou a secretária de Estado.