PJ desmantela rede que terá permitido a oito mil pessoas revalidar carta com falsos atestados médicos
Departamento de Investigação Criminal da Guarda deteve oito pessoas, incluindo dois médicos, num processo em que foram constituídas arguidas cerca de 400 pessoas. Esquema envolve três escolas de condução.
A Polícia Judiciária anunciou esta quarta-feira a detenção de oito pessoas, incluindo dois médicos, no âmbito da chamada Operação Consulta Zero, que desmantelou uma rede que terá permitido a oito mil pessoas revalidar a carta de condução com falsos atestados médicos. Os utilizadores desta alegada associação criminosa terão obtido o certificado de aptidão física e mental sem serem sujeitos a qualquer consulta de avaliação pessoal, recorrendo a um esquema que envolverá pelo menos três médicos (um dos quais faleceu recentemente) e três escolas de condução.
Os clínicos cobrariam entre 20 e 30 euros por atestado, tendo passado cada um mais de dois mil certificados nos últimos quatro anos. Alguns dos beneficiários são idosos com mais de 80 anos, havendo um com 92 anos que se encontra num lar devido a uma doença degenerativa que renovou recentemente a carta. “Muitas vezes são os familiares destas pessoas, preocupadas com o risco de elas conduzirem sem estarem em condições, que fazem a denúncia”, explica ao PÚBLICO um responsável ligado à investigação.
Já esta quarta-feira à tarde, a Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos veio informar que remeteu de “imediato” o caso para análise no respectivo órgão disciplinar. “Os trâmites irão desenrolar-se no Conselho Disciplinar Regional do Centro da Ordem dos Médicos a quem compete analisar e julgar eventuais infracções à deontologia e ao exercício da profissão médica”, afirma a instituição, que refere igualmente que solicitou informações às entidades competentes sobre o envolvimento dos médicos neste caso.
Além dos clínicos, foram detidos responsáveis das escolas de condução envolvidas e comerciantes de papelarias ou quiosques que tratavam de todo o processo de revalidação, incluindo do atestado, mediante o pagamento de uma comissão.
O Departamento de Investigação Criminal da Guarda diz, num comunicado, que já foram constituídas arguidas neste processo cerca de 400 pessoas. “A Polícia Judiciária, através do Departamento de Investigação Criminal da Guarda, identificou e deteve oito indivíduos suspeitos de integrarem uma associação criminosa, responsável pela prática de crimes de corrupção no sector privado, falsificação de documentos e outros ilícitos”, adianta a nota, que especifica mais dois crimes: evasão fiscal e branqueamento de capitais.
As detenções ocorreram esta terça-feira, na sequência da realização de três dezenas de buscas, domiciliárias e outras, com participação das competentes autoridades judiciárias e representante da Ordem dos Médicos. Os investigadores já identificaram “milhares de condutores, três escolas de condução, quatro estabelecimentos comerciais, que também prestam diversos serviços especializados, designadamente como intermediários junto do Instituto de Mobilidade e Transportes (IMT), e, pelo menos, dois médicos, com aqueles conluiados, todos maioritariamente residentes e sediados nos concelhos do Fundão, Covilhã, Castelo Branco e Idanha-a-Nova”.
A PJ garante que a operação, que contou com a presença de cerca de 50 operacionais daquela polícia, incluindo vários peritos de contabilidade e informática, permitiu a apreensão de “relevantes elementos de prova”.
Os detidos, sete homens e uma mulher, com idades compreendidas entre os 42 e os 74 anos, vão ser apresentados perante um juiz de instrução, que dirigirá os respectivos interrogatórios judiciais e determinará a eventual aplicação de medidas de coacção.